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Adoção: Brasil tem oito famílias prontas para adotar por cada criança disponível, mas fila de espera é longa

Autora sobre adoção, Lisandra Barbiero defende que toda criança tem direito de ter uma família e ser amada, superando estigmas e preconceitos

Redação Publicado em 13/05/2023, às 06h00

Capa do livro "Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos: o amor na adoção sempre vencerá o medo do abandono e do desamor” - Foto: Divulgação
Capa do livro "Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos: o amor na adoção sempre vencerá o medo do abandono e do desamor” - Foto: Divulgação

O resultado não bate. O Brasil soma hoje 33.325 pretendentes para adoção e 4.318 crianças disponíveis para serem adotadas, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção (SNA). Há quase oito famílias interessadas para cada criança e a procura é bem maior que a demanda. Mesmo assim, a fila de famílias que esperam pelo filho é longa, quase do mesmo tamanho da demanda. Isso acontece porque 26% dos candidatos à adoção desejam crianças brancas, 58% querem menores de 4 anos de idade, 61% não aceitam adotar irmãos e 57% buscam crianças sem nenhuma doença, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Das 4.318 crianças disponíveis para adoção no Brasil, apenas 654 têm menos de 4 anos de idade, o que representa 15% do total. A grande maioria, 63%, tem mais de 6 anos de idade e 34% já são adolescentes, com 14 anos ou mais, 1.467 jovens que cresceram sem uma família. De acordo com os dados do SNA, a maioria das crianças disponíveis para adoção, 54%, é parda, 28% são brancas e 17% pretas. 

Ainda que seja um tema carregado de tabus, a adoção vem ganhando maior visibilidade no Brasil. A partir deste ano, foi incluída no calendário nacional, a partir de publicação no Diário Oficial da União, a Semana Nacional da Adoção, celebrada na semana anterior ao Dia Nacional da Adoção, em 25 de maio. Pela primeira vez, haverá um período específico para dar publicidade ao assunto, promover campanhas e divulgar informações para provocar reflexão, conscientizar e sensibilizar a população. 

A falta de literatura sobre adoção inquietou a servidora pública federal, especialista em neurociências do comportamento, pós-graduada em Educação Infantil e escritora, Lisandra Barbiero. Adotada aos 7 meses, ela se debruçou em pesquisas sobre o tema e escreveu três livros e um e-book. Lisandra também é mentora do primeiro curso de adoção de abordagem emocional, psicológica e educativa, sob a ótica de quem viveu na prática a experiência. 

A dedicação de Lisandra tem como proposta combater os preconceitos que ainda permeiam a adoção. “Ainda hoje existe uma falta de legitimidade das famílias que adotam. Todas as formas de constituição familiar são válidas e devem ser respeitadas. Toda criança tem direito de ter uma família e ser amada”, afirma. Ela cita o caso do massacre na creche em Blumenau (SC), em que quatro crianças morreram. “A mídia falou das quatro crianças e enfatizou o tempo todo que uma delas era adotada. Não é necessário frisar o tempo todo que o filho é adotivo. É filho. São mães que perderam uma criança, seu filho, assim como as outras”, comenta.

No seu primeiro livro, “Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos: o amor na adoção sempre vencerá o medo do abandono e do desamor”, Lisandra defende que toda criança, consanguínea ou não, percorre o mesmo processo para se tornar filho, que passa pela convivência diária com a família, pela decisão dos pais de amar, acolher e cuidar dessa criança. “A partir desse processo a criança se torna filho ou filha. É uma convergência, independentemente da questão genética e consanguínea”, alega. 

A escritora aponta que o estigma do DNA, da carga genética, ainda é muito forte na adoção, à revelia dos progressos que já ocorreram. Segundo ela, as pessoas que atuam na Vara da Infância, psicólogos e assistentes sociais avaliam que há receio dos pretendentes à adoção em relação à história da criança, de como foi a gestação, dos pais biológicos. Lisandra afirma que o estigma começa antes da adoção e continua depois que ela é efetivada. Ela conta que trabalha esse tema nos outros dois livros que escreveu, “A Incrível Descoberta de Aninha”, volumes 1 e 2.

Lisandra comenta que a busca pelo “filho ideal”, preferencialmente bebês brancos sadios e sem irmãos, é uma forma de racismo. Ela defende a realização de cursos de treinamento relacionados à etnia para pessoas que atuam diretamente com pais interessados em adoção. “Precisamos que a sociedade fale sobre isso, que a adoção seja debatida nas escolas, que a educação tenha um olhar voltado para o assunto”, alega. Segundo a escritora, ainda é comum que a sociedade considere a criança adotada como cidadã de segunda classe, inferiorizada até mesmo dentro da hierarquia familiar. 

“Ainda há muita gente que diz aos pais adotivos que eles não sabem o que a criança adotada pode se tornar, que problemas essa criança pode dar depois. Há uma criminalização da genética, mesmo após o processo finalizado da adoção. Eu vivenciei isso e outros adotados também, que se sentiam inferiores dentro da hierarquia familiar, tinham vergonha de contar sua história. Aí vem o medo, a falta de pertencimento da família”, diz a escritora. 

O preconceito também se manifesta no olhar da sociedade sobre a relação familiar do adotado. É comum as pessoas perguntarem a filhos e filhas adotivos adultos se eles conhecem os pais biológicos e se querem conhecer. “Isso é um tipo de preconceito com o qual temos que lidar. Sempre que falo que sou adotada, perguntam se conheço a minha família. Eu tenho uma família só, tenho mãe, irmãos, todos legítimos. Há uma necessidade da sociedade de não legitimar o filho adotivo”, comenta.

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Gerada no coração

A escritora lembra da primeira vez que a adoção entrou na sua vida, quando tinha 7 anos. “Foi uma história que aconteceu há 30 anos e precisou de todo esse tempo para eu ressignificar. Passei por uma situação de constrangimento, perversidade, muito cruel”, conta. Ela recorda que chegou da escola e percebeu que era diferente dos pais e irmãos olhando os porta-retratos espalhados pela casa. Tomou coragem e foi ao quarto da mãe com um dos porta-retratos escondido nas costas. 

A mãe achou que ela trazia algum trabalho escolar e não entendeu quando Lisandra perguntou por que era diferente. “Coloquei meu braço ao lado do da minha mãe e repeti a pergunta. Ela não estava preparada para a conversa. Percebi um receio e ela começou a chorar. Perguntei onde eu estava na barriga dela. Minha mãe disse que eu não estive na barriga porque eu tinha sido gerada no coração dela”, lembra a escritora. Lisandra diz que ficou encantada, achou sua história bonita, verdadeira e se sentiu especial.

“Abraçamo-nos e essa foi a maior confidência de amor entre nós. Ali abracei também minha história, do meu jeito. Eu me senti filha, amada”, lembra a escritora. No dia seguinte, perguntou aos colegas da escola se eles tinham sido gerados na barriga ou no coração e percebeu que a pergunta não fazia sentido para eles, que tinham sido gerados na barriga. “Eu me senti ainda muito mais especial, porque era a única na sala gerada no coração”, conta. A legitimidade, no entanto, durou apenas até o dia seguinte, quando percebeu desconfiança e reprovação dos alunos. No quadro verde da sala de aula estava escrito em letras grandes: Você foi adotada. 

“Eles diziam que eu tinha sido encontrada no lixo, que ninguém me quis, que nunca havia sido amada, que era feia e pobre. Aí entendi o que era ser gerada no coração. Foi um preconceito devido à adoção, à história genética”, lembra Lisandra. Ela decidiu se tornar escritora para que outras crianças adotadas não sofram caladas o que ela sofreu. A escritora tem ascendência preta e foi adotada por uma família de classe média branca. 

Além dos três livros sobre adoção que escreveu, Lisandra também é autora do e-book “15 Lições de Uma Adotada”. A primeira delas é justamente sobre o direito da criança de saber que é adotiva. “Minha mãe não sabia como lidar com esse tema, por isso o e-book busca ajudar os filhos e os pais. A história pertence à criança, por mais difícil que seja para os pais. Quando a criança percebe a beleza na sua história, tem meios para olhar para ela com mais amor, e isso deixa de ser um peso”, afirma. 

A escritora quer estimular a adoção sem estigmas, sem preconceitos. “Meu objetivo é fazer com que mais crianças tenham a oportunidade que tive, de ser amada, acolhida e ter o aconchego de viver em uma família, com mãe, pai, irmão, raiz, história”, defende. Segundo ela, por mais que as instituições de acolhimento ofereçam todas as condições para os abrigados, não são o local adequado para uma criança crescer e se colocar no mundo. “Toda criança precisa da convivência familiar, da proteção de uma casa. Quero que mais famílias sejam despertadas para esse encontro oportunizado pela vida, que é a adoção”, afirma.

Lançamento do livro

O primeiro livro de Lisandra, “Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos”, será lançado no dia 20 de maio,  O lançamento vai acontecer no Espaço de Eventos do Quality Suítes Hotel, que fica na praia da Costa, em Vila Velha, no Espírito Santo, onde ela nasceu. O livro, da editora Autografia, também poderá ser comprado, a partir do dia 20 de maio, pela Amazon. 

Sobre Lisandra Barbiero

Servidora pública federal, jornalista e escritora. Especialista em neurociências do comportamento e pós-graduada em Educação Infantil.  Membro do Grupo de Trabalho de Afinidade e Raça do Senado Federal. Lisandra tornou-se filha pela adoção aos sete meses de vida. Escreveu quatro livros com o tema adoção no Brasil.  A autora, no livro que será lançado em maio " Não Nascemos Filhos, Nos Tornamos!" apresenta um novo conceito que envolve diferentes tipos de violência denominado BULLYING ADOTIVO. 

É pesquisadora do assunto no País e mentora do primeiro curso de adoção voltado para as questões emocionais, psicológicas e educativas sob a ótica de quem viveu na prática o sentimento de ser acolhida.  Acredita que a adoção é um  caminho para a construção de laços afetivos e um meio sólido de amor capaz de proporcionar mudança de vida para milhares de crianças e adolescentes que esperam ansiosamente para desfrutar do aconchego de um lar e de ter o direito constitucional à convivência familiar e comunitária garantidos.