Emanoel Ceress compartilha a importância de enxergar as favelas como potências sociais e culturais
Emanoel Ceress* Publicado em 30/04/2023, às 06h00
Uma coisa que eu acho muito engraçada é a lembrança das visitas que fiz à casa dos amigos de minha mãe ou locais onde ela trabalhava.
Pense em uma verdadeira odisseia preparatória! O que precisava ser dito, feito ou até mesmo o que era permitido aceitar nos locais aonde íamos. Minha mãe cuidadosamente apresentava as possíveis situações que poderiam acontecer: se for oferecido comida diga “NÃO, muito obrigado”. E depois a justificativa: para não pensarem que você não tem comida em casa.
Para cada local havia uma descrição diferente de como agir, do que fazer, dizer ou aceitar. Geralmente acompanhado da máxima “Costume de casa vai à praça!”. Depois uma justificativa do tipo: coisa mais feia é criança cheia de mal costume!
Aquela realidade psicológica me lançava uma obrigação a cumprir. O que eu não sabia era que tudo isso fazia e faz parte do desenvolvimento moral em sociedade, algo que ficou mais evidente quando comecei a visitar outras casas em outros lugares. As pessoas tinham modos diferentes de se comportar, falar, alimentar e até de olhar! E não ficou por aí, ao visitar outros países em busca de mais conhecimentos as diferenças começaram a ficar muito maiores.
Parece fácil entender que as regras do “viver corretamente” são bem diferentes nas diversas situações. Os níveis de organização e tolerância, no convívio em sociedade, são dotados de inúmeras diretrizes que minha mãe não me ensinou diretamente, mas deu-me elementos que ela mesma não tinha noção. Sabe o choque cultural? Este havia se dado antes mesmo de eu botar o pé para fora da rua de minha casa. Assim, no questionamento de que “a mãe de todo mundo deixa”, eu me descobria amargamente e o âmago de minha subjetividade aparecia na resposta: você não é todo mundo.
Foi no confronto com as diferenças que descobri uma espécie de formatação e adequação social muitas vezes não acessível às diversas estruturas familiares existentes. O modo de vida nas favelas, como a que eu vivi, simplificado pela ausência da complexidade social expressa nas pompas e vaidades econômicas, não acessa com facilidade as padronizações mercadológicas e por isso tende a ser excluído. Esta exclusão, contudo, jamais foi um banimento para a capacidade de criação, recondução e engrandecimento das favelas, capazes de produzir movimentos identitários com seu próprio formato de brilho e brio.
É assim que a Re-favela, instituição sediada em Recife há 28 anos, vem realizando eventos e rodas de debates com o objetivo de fomentar mais ações identitárias voltadas para educação e cultura. Os resultados disso se dão na vivência de projetos sociais que produzem efeitos positivos e atraem investimentos na área educacional, de modo a reverter as condições de extrema pobreza e de desigualdade de renda. Com espaços de formação educacional na realização de cursos e oportunizando espaços culturais de visibilidade da “cultura da favela”, a ONG vem proporcionando a autonomia necessária à ressignificação dos espaços sociais que constituem as favelas de Pernambuco.
*Emanoel Ceress é Emanoel Rodrigues da Silva, intérprete de língua inglesa, professor de inglês no Gran Cursos Online, especialista em Linguística Aplicada e em Psicopedagogia. Professor de inglês e também tem um canal no youtube.