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Uso de celulares por crianças: como equilibrar os riscos e as oportunidades que a tecnologia móvel oferece à educação?

A nova legislação sobre uso de celulares nas escolas brasileiras levanta questões sobre o equilíbrio entre riscos e oportunidades na educação moderna

Fabio Zsigmond* Publicado em 20/03/2025, às 06h00

A tecnologia pode ser uma aliada na escola
A tecnologia pode ser uma aliada na escola

A recente legislação que restringe o uso de celulares nas escolas brasileiras reflete um debate global e urgente: como equilibrar os riscos e as oportunidades que a tecnologia móvel oferece à educação? Em um mundo hiperconectado, onde o smartphone se tornou extensão de nossos corpos e mentes, a proibição surge como resposta simplista a um problema complexo. Como podemos então transformar o celular de potencial vilão em protagonista da inovação pedagógica?

É inegável que o uso indiscriminado do celular na escola traz problemas reais. A avalanche de notificações e o fascínio das redes sociais competem diretamente com o foco necessário ao aprendizado. Estudos demonstram que a mera presença do aparelho, mesmo desligado, pode prejudicar a concentração e a capacidade cognitiva dos estudantes.

Para além da distração, o uso inadequado intensifica o isolamento social e fragiliza relações interpessoais, especialmente preocupante em uma cultura brasileira marcada pelo calor humano. O cyberbullying encontra nas redes sociais um palco para agressões com consequências devastadoras para a saúde mental de crianças e adolescentes. O excesso de tempo de tela também contribui para o tecnoestresse e ansiedade entre jovens.

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Contudo, reduzir o celular a um foco de distração é ignorar seu imenso potencial. Quando integrado de forma intencional e com objetivos claros, transforma-se em ferramenta poderosa para expandir horizontes e personalizar o ensino.

Imagine aulas de história que transcendem o livro didático através de visitas virtuais imersivas com aplicativos como Google Arts and Culture, ou aulas de biologia onde o corpo humano se revela em 3D na tela do celular. Em aulas de línguas, aplicativos como podem gamificar o aprendizado. A câmera do celular, aliada a aplicativos de edição, se converte em estúdio de produção audiovisual nas mãos dos estudantes.

O celular também é aliado da colaboração. Ferramentas como Google Docs e Padlet permitem que estudantes trabalhem juntos em tempo real, desenvolvendo habilidades essenciais para o trabalho em equipe. Professores podem criar grupos de discussão para estender o aprendizado além da sala de aula, tornando o celular um instrumento de letramento digital.

Educação Plena e Cultura Maker: O DNA da Inovação com Celulares

Para que o celular se torne parte da solução, é fundamental repensar a essência da educação. A Educação Plena busca o desenvolvimento dos estudantes em todas suas dimensões – intelectual, social, emocional, cultural, física e espiritual – partindo do princípio de que temos uma vontade intrínseca de criar.

A cultura maker, inspirada no Construcionismo de Seymour Papert e na Aprendizagem Criativa de Mitch Resnick, surge como caminho promissor. O Construcionismo ensina que aprendemos melhor quando construímos algo significativo, e o celular oferece ferramentas acessíveis para essa construção.

Ambientes Maker nas escolas são ideais para integrar o celular em projetos práticos que estimulem a experimentação e resolução de problemas.

Competências para o Século XXI

Nesse contexto transformador, o celular se revela instrumento valioso para desenvolver competências essenciais para o século XXI, como o pensamento crítico, ao permitir a pesquisa de informações online e o discernimento de conteúdos confiáveis em meio a fake news. A resiliência é aprimorada ao enfrentar desafios técnicos durante o uso de ferramentas digitais, enquanto o foco pode ser treinado por meio de atividades bem planejadas que utilizam o celular de forma intencional.

A criatividade floresce com as diversas ferramentas de expressão criativa disponíveis, como aplicativos de edição de vídeo e programação. A colaboração é facilitada por plataformas online que promovem o trabalho em equipe e a construção conjunta de conhecimento.

Para trilhar o caminho da potencialização do uso do celular na educação, algumas estratégias são fundamentais:

-  A formação continuada de professores é essencial para que possam integrar o celular de forma criativa em suas aulas.

- A definição de protocolos claros e flexíveis sobre o uso responsável do celular é fundamental para garantir um ambiente de aprendizado produtivo.

- O investimento em infraestrutura e acesso equitativo à tecnologia é necessário para que todos os estudantes possam se beneficiar das oportunidades digitais.

- O engajamento familiar e comunitário é importante para promover a alfabetização digital e o uso consciente da tecnologia em casa e na escola.

- A participação dos estudantes na construção de regras e projetos pedagógicos é fundamental para promover o protagonismo juvenil e o engajamento com o processo educativo.

Da Proibição à Inovação

A proibição do uso de celulares nas escolas, embora compreensível diante dos desafios, não deve ser o ponto final da discussão. O verdadeiro desafio está em trazer inovação pedagógica, transformando o celular de objeto de dispersão em instrumento de aprendizado ativo e relevante para o século XXI.

Em vez de resistir à realidade digital, devemos abraçá-la e educar para um uso consciente e produtivo da tecnologia. Como diria Seymour Papert, "a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo". Que possamos reinventar a educação brasileira, transformando o celular em um degrau importante na jornada rumo a um aprendizado mais engajador, significativo e transformador.

*Fabio Zsigmond é educador, empreendedor e inovador. Graduado em Administração de empresas pela FGV, é Co-fundador  e CEO do Mundo Maker