Em que mundos você vive?

Tenho amigos que moram dentro do Facebook, onde de vez em quando ainda circulo. Outros moram no Instagram, por onde também passo. Outros moram no X, de onde sempre passei longe. Tem aqueles que gostam de um universo mais Tik Tok e outros que até desconheço. Ah, tem o mundo linkedin também. Lá as pessoas parecem tão educadas, fico até impressionada. Tem também gente que assume uma personalidade diferente em cada mundinho. 

Dentro desses mundos há muitas coisas curiosas. Uma delas é o que eu vou chamar de submundos. Cada morador de um submundo da tela plana acha que o submundinho dele é o que vale, é "o de verdade". Não importa se para esta pessoa só aparecem vídeos de desastres, pesquisas que comprovam coisas esdrúxulas, viagens, mundo dos ricos, narizes arrebitados, bocas inchadas ou receitas de bolo. A pessoa vai ter certeza que "o mundo" é aquele universo dela e que todo mundo lá fora fala só dessas mesmas coisas.

Vejam só: quando teoricamente estaríamos na era da conectividade, as pessoas se desconectaram. No meu submundo do instagram, por exemplo, como o safado sabe que tenho mais de 50 anos, só se fala em menopausa, dores no corpo e as propagandas que aparecem querem me convencer de que eu preciso de todos os compostos vitamícos possíveis. Daí, quando eu acho que o mundo lá fora só fala de menopausa e seus desdobramentos, descubro que estou enganada - isso está no meu submundo. 

Veja também

• Violência contra a mulher: veja como obter decisão judicial de medida protetiva
• Meu marido colocou bens no nome da amante, e agora?
• Me separei apenas de fato, então meu estado civil ainda é casada?

No submundo da minha filha do meio, por exemplo, só se fala de futebol e da família do Neymar. Até pouco tempo atrás, eu não sabia quem era Virginia. Daí, em conversas no mundo real - este mesmo, o da Terra redonda - , eu passei a perceber que as pessoas conversam sobre seus submundos como se fossem o centro do mundo. 

Vai tentar convencer que é falso o vídeo que fala que a vacina da Covid transforma alguém em jacaré para alguém do submundo das fake news. Não adianta. Com o argumento da liberdade de expressão, esses submundos viraram uma Terra onde tudo pode. Acredita quem quer no que quer e aquilo vira uma verdade. 

Tudo isso começou a dar um nó na minha cabeça. Quando alguém diz: "nossa, tá todo mundo falando tal assunto", eu só me pergunto: Todo mundo quem? Todo mundo de que mundo?

E os que vão até o perfil do outro só para xingar? É falta do que fazer que chama?

Muita gente tem se perguntado o que está acontecendo ultimamente, qual a razão de tanta agressividade, tanta violência. E eu to começando a achar que isso é resultado da falta do mundo real. Do abraço. Do olho no olho. Do se preocupar com o outro. De circular mais na Terra redonda.

Na tela plana é fácil atacar, cancelar, escrever sem ler, falar sem escutar, lacrar, viralizar. E quando esses comportamentos se transportam dos mundinhos pro mundão não tem como dar certo.

Fica o desafio para refletirmos sobre onde tudo isso vai nos levar, se é que vai nos levar a algum lugar. Esse mundo da Terra plana, digo, da tela plana, é bem assustador. Precisava muito vir com o aviso de "use com cautela". E, se possível, com inteligência, educação, discernimento, ternura. Será que é pedir demais?

* Mariana Kotscho é jornalista e acredita que a Terra é redonda.