Mariana Kotscho
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O que podemos aprender com Coco Chanel e Ginni Rometty?

Ligia Kallas e uma reflexão sobre liderança feminina. Temos muito o que aprender

Ligia Kallas* Publicado em 28/06/2024, às 16h00

Precisamos de mais mulheres ocupando cargos de liderança
Precisamos de mais mulheres ocupando cargos de liderança

Liderar, por muito tempo, foi um privilégio masculino. E ainda é, por mais que tenhamos avanços na agenda de equidade de gênero mundialmente. E estamos falando de uma condição do ser humano, uma necessidade primordial, afinal de contas, apenas o direcionamento, a orientação e a liderança nos levam a algum lugar. Sem esse elemento, a humanidade pode até caminhar, claro, mas isso acontecerá sem uma estratégia, sem um horizonte, nos restando pouca maturidade para colher os frutos esperados.

No inglês, o verbo “lead”, que significa liderar, é também utilizado para se referir ao primeiro parágrafo de um texto jornalístico, atribuído de conter as informações mais primordiais de uma redação, entregando ao leitor, prontamente, uma visão geral dos próximos parágrafos à frente. Ou seja, é uma parte introdutória guiando o indivíduo a se aprofundar. É justamente esse o papel de um líder, a meu ver. Não se trata do exercício de uma função, de autoridade ou de estrutura hierárquica e, sim, um facilitador que nos orienta pelo caminho e nos apresenta as ferramentas mais apropriadas para trilhá-lo.

E esse assento não tem gênero – ao menos, não deveria ter. Quando falamos de Coco Chanel, por exemplo, em geral, pensa-se em moda e estilo. Mas a essência da renomada estilista francesa, que dá nome a uma das maiores referências de luxo e qualidade mundial, é, acima de tudo, a de uma mulher de negócios, empreendedora e diretora de uma gigante multinacional. Uma líder que construiu e guiou equipes, profissionais e toda a cadeia de um segmento. No entanto, por muito tempo sua imagem foi associada, invariavelmente, ao papel de criativa de moda em detrimento de sua posição de líder. Talvez por vestidos, tecidos, cortes e cores caberem melhor à figura “feminina”? Talvez pelo pressuposto de uma mulher, sozinha, não ser capaz de transcender padrões e liderar, ao sucesso absoluto, centenas, milhares de pessoas? Cabe uma reflexão.

Não gosto de ser taxativa. Difícil expor opiniões e reflexões que, por anos, não entravam na agenda pública, mas alguns questionamentos transbordam: e se ela fosse um homem? Restam poucas dúvidas de que a narrativa ao seu redor seria diferente da que conhecemos. Talvez se assemelhasse mais a biografias como as de Bill Gates, Steve Jobs, Elon Musk, Abilio Diniz, Jorge Paulo Lemann, entre muitos outros. Aliás, nomes masculinos em estrutura de poder não faltam. Apesar de, segundo o Relatório Demográfico da ONU de 2022, o público feminino responder a mais de 71% da população mundial, “elas” ainda são minorias em espaços de decisão e liderança.

Há alguns anos, assisti a um vídeo da Ginni Rometty, então CEO da IBM, que mexeu tanto comigo. Em alguns momentos, me percebia vivenciando e trilhando situações e sensações parecidas às dela. Foi justamente pela simplicidade com que ela trouxe algumas “dores” pelas quais eu e diversas outras mulheres passamos. A posição primária dela e das mulheres à sua volta de cuidadoras, a dificuldade e o desconforto em encarar uma jornada profissional de crescimento… Em determinado momento, Rometty narra que recebeu uma proposta de promoção, vinda de seu chefe direto, e ela prontamente recusou, alegando não estar tecnicamente preparada. Ao chegar à sua casa e contar o episódio ao marido, foi indaga pelo companheiro: “Você acha que um homem recusaria essa oferta?”. Encarar a possibilidade de sucesso, em um mundo dominado por homens poderosos, amedronta até as maiores e mais determinadas líderes.

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Ginni voltou no dia seguinte e aceitou a promoção. A executiva norte-americana, conhecida por frases de impacto, como um depoimento na qual afirma que “crescimento e conforto não coexistem”, se tornou um dos principais rostos femininos no hall de lideranças de grandes corporações mundiais. Tornou-se referência e sinônimo de crescimento para milhares de mulheres e homens pelo mundo todo. Deixando claro, parafraseando Rometty, que ninguém definiria sua identidade, se não ela mesma.

Coco de um lado e Ginni de outro. Competentes, capazes, líderes que inspiram e nutrem tantos profissionais. São exemplos brilhantes, mas ainda exceções no mercado de trabalho. Sabemos que, na prática, muitas não desfrutam da mesma realidade. Quantas mulheres não têm, em suas empresas, espaço para mostrar todo seu potencial? Quantas líderes excepcionais não são ouvidas por serem as únicas mulheres na sala? Quantas decisões e ideias de grandes colaboradoras acabam se perdendo atrás de grandes nomes masculinos que, por tradição, detêm os holofotes? Mudanças vêm acontecendo, verdade seja dita, mas estamos aquém de uma realidade com equidade.

De acordo com o estudo Global Gender Gap Report 2023, publicado pelo World Economic Forum, serão necessários 131 anos para haver equidade de gênero no mercado global. Ou seja, são alterações urgentes e necessárias que, contudo, não estaremos aqui, nem eu ou você, para testemunhar e celebrar. Este é um comprometimento que precisa ser acelerado e enfrentado por todos nós. 

Sabemos que outros marcadores sociais, como classe social e etnia/raça, tornam essa agenda mais desafiadora em um país como o Brasil. No entanto, não podemos podemos dar espaço a retrocessos e precisamos nos falar mais, compartilhar exemplos, participar de debates com grupos focais ou de militâncias sociais, demandar de nossas empresas políticas claras de equidade de gênero, ou seja, uma combinação de elementos sem os quais não avançaremos sequer uma casa nesse jogo de tabuleiro, no qual começamos em desvantagem desde o primeiro dado rolado - provavelmente por um homem.

*Ligia Kallas é head de marketing da Kallas Mídia OOH