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"Eu saio primeiro", disse Daniel Alves para a vítima

Promotora de Justiça Valéria Scarance explica a razão pela qual Daniel Alves ficou preso e o que pode acontecer agora, de acordo com as leis espanholas

Valéria Scarance* Publicado em 23/01/2023, às 11h00

O jogador Daniel Alves - Fonte: reprodução de instagram
O jogador Daniel Alves - Fonte: reprodução de instagram

Na decisão que decretou a prisão preventiva do jogador  Daniel Alves, sem direito à fiança, a Juíza do 15º Juizado de Instrução de Barcelona, na Espanha, ressaltou que, além das evidências coletadas, Daniel apresentou três versões diferentes para o fato, não tem residência fixa no país e ostenta grande poder econômico. Ele poderia, de alguma forma, interferir na investigação e não seria possível a extradição de Daniel, caso retornasse ao Brasil, tal qual aconteceu no processo envolvendo Robinho que, condenado, não pôde ser extraditado para a Itália para cumprir pena porque é brasileiro nato e a sentença tem que ser homologada no Brasil.

Na audiência, segundo relatado pelo El Pais, a advogada da vítima teria argumentado que, com o poder econômico de Daniel, ele poderia alugar ou mesmo comprar um avião e sair facilmente do país. Assim, não seria suficiente a apreensão do passaporte.

A prisão preventiva tem o prazo de 01 ou 02 anos, dependendo da pena fixada para o crime. No caso de Daniel, o tempo de prisão preventiva é de até 02 anos, prorrogáveis por mais 02 anos. Assim como no Brasil, a prisão deve ser fundamentada e não configura antecipação de culpa, mas uma necessidade diante das circunstâncias do caso concreto.

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Daniel é investigado pela prática de estupro, crime previsto no artigo 179 do Código Penal Espanhol, com pena de 04 a 12 anos. A pena pode ser maior, de 07 a 15 anos, caso se entenda que houve um estupro “qualificado” (art. 180 do Código Penal).

Após a investigação (sigilosa), tem início uma fase de acusação e, depois, o chamado "Juízo Oral", quando há o processo público. No dia do julgamento, a acusação apresenta os fatos e são ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação, com direito a perguntas da defesa. Caso o réu não seja absolvido nesse momento, a defesa pode apresentar provas e suas testemunhas. A acusação também pode juntar novos documentos, seguindo-se os debates finais. O réu tem o direito de ser ouvido antes da sentença.

Lembrando detalhes do caso

“Eu saio primeiro” teria sido a ordem do investigado Daniel Alves após a prática do suposto estupro relatado pela vítima.

Daniel Alves, futebolista que integrou a seleção brasileira, foi preso preventivamente pela prática de estupro em Barcelona, sem direito à fiança.

Os fatos teriam ocorrido entre o dia 30 e 31 de dezembro. No dia 02, a vítima prestou depoimento e apresentou uma “denúncia” (notícia de fato), quando teve início a investigação, que na Espanha é conduzida por uma Juíza ou Juiz do Juizado de Instrução.

Em seu depoimento, a vítima relatou que estava na casa noturna e foi convidada para ir à área VIP. Daniel teria colocado a mão da vítima em seu pênis, contra sua vontade. Momentos depois, quando foi ao banheiro, Daniel teria entrado no local e impedido a saída da vítima. Com força e mediante tapas, obrigou a vítima a praticar sexo oral e a penetrou com violência, ejaculando. A seguir, vestiu-se e disse “eu saio primeiro”.

A vítima saiu do banheiro muito abalada e procurou ajuda na casa noturna. Como há um protocolo para atendimento nesses casos, a polícia foi acionada e, levada ao hospital, coletaram-se evidências dos materiais do fato. Noticiou-se ainda que a vítima teria entregue seu vestido para perícia, com vestígios biológicos.

Além do depoimento da vítima, há na investigação o relato de testemunhas, evidências coletadas no hospital, relatório forense, imagens do circuito de câmeras. O fato de as provas terem sido coletadas tão rapidamente é que garantiu a agilidade da investigação e possibilitou a decisão judicial. Pela lei, uma investigação pode ser concluída em até 12 meses.

Como é a Lei de Proteção às mulheres na Espanha

Assim como no Brasil há a Lei Maria da Penha, a Espanha tem uma das melhores leis do mundo para a defesa de mulheres – Lei de Proteção Integral contra a Violência de Gênero 1/2004, na qual consta que “a violência contra a mulher não é um problema que afete o âmbito privado. Ao contrário, se manifesta como o símbolo mais brutal da desigualdade em nossa sociedade. É uma violência que se dirige às mulheres pelo fato serem mulheres, por serem consideradas pelos agressores carentes de direitos mínimos de liberdade, respeito e capacidade de decisão".

Em 2022, foi aprovada a Lei de Liberdade Sexual que ficou conhecida como “solo si es si” (só o sim é sim), em resposta a um processo de estupro coletivo conhecido como “La Manada”, em que cinco homens violentaram uma jovem de 18 anos com sexo oral, anal e vaginal e filmaram o ato, mas não foram condenados por agressão sexual, ante a ausência de prova de violência ou intimidação.

Com a nova lei, só há consentimento “manifestado livremente mediante atos que, de acordo com as circunstâncias do caso, expressem de maneira clara a vontade da pessoa” (art. 178 do Código Penal, modificado). Assim, o consentimento da mulher deve ser explícito em todas as relações sexuais.

O caso Daniel Alves revela a importância de uma legislação forte associada a medidas concretas para rápida investigação e proteção da vítima.

Um sistema ágil é peça fundamental para o enfrentamento à violência contra as mulheres. Nas palavras da Ministra Carmen Lucia, Justiça tardia não é Justiça!

*Valéria Sacarance é Professora da PUC-SP. Promotora de Justiça do MPSP e autora do livro "Lei Maria da Penha"da Juspodivm