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E se eu tivesse sido expulsa da internet?

Reflexões de uma jovem da geração Z sobre o impacto da internet e das redes sociais em crianças e adolescentes virou documentário

Nathália Braga* Publicado em 03/05/2024, às 06h00

A jornalista Nathália Braga - foto: divulgação
A jornalista Nathália Braga - foto: divulgação

Crescer no início dos anos 2000 envolvia aquela ansiedade para conseguir usar a internet discada. Em 2005, só 21% da população brasileira tinha acesso à internet. Hoje, você sabe, nós temos acesso constante às redes sociais e usamos uma série de aparelhos smart que fazem a nossa rotina ser o que é. Da mesma forma que adultos fazem de tudo — compras, transporte, monitoramento de saúde — pela internet e smartphones, crianças também usam esses recursos para se divertir, aprender, se comunicar… E, eventualmente, sofrem danos à saúde no meio desse processo.

Falar sobre o vício em telas é encarar um problema que atravessa gerações, mesmo quando ainda não dávamos esse nome. Hoje eu sou uma mulher de 27 anos e, bem, ainda me lembro dos meus acessos de raiva quando o computador ou o celular eram tirados de mim durante a minha adolescência. Vários outros comportamentos indicam o vício em telas, o que certamente tenho até hoje. E quem não tem, em pleno 2024? 

Mas precisamos reparar no que aparece nessas telas. Qual é o conteúdo? Quem o desenvolveu? O design das redes sociais que usamos foi preparado para ativar mecanismos de recompensa e prazer no nosso cérebro. A cada like, notificações e atualizações de tela, nosso cérebro libera dopamina em um ciclo agradável que nos faz querer todas essas novidades outra vez. O mesmo funciona para as crianças.

Especialistas argumentam que, se as mídias de outros comportamentos viciantes e prejudiciais já são reguladas, por que as redes sociais ainda não chegaram ao mesmo ponto? A idade mínima para se criar uma conta em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube é de 13 anos, porém pessoas de qualquer idade podem ser impactadas pelos conteúdos presentes nelas. Isso sem falar em versões adaptadas, como o YouTube Kids.

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E mesmo que uma criança não tenha rede social (o que é correto), suas imagens podem estar por lá. De acordo com uma pesquisa britânica, as crianças já têm mil fotos postadas na internet antes mesmo de completar 5 anos de idade e, com isso, estão sujeitas a todo tipo de armazenamento e uso indevido de dados sensíveis. Além disso, as tecnologias de inteligência artificial estão em amplo desenvolvimento, sendo possível gerar imagens e supor a aparência envelhecida de alguém. A campanha "A Message From Ella" sugere o perigo disso em um vídeo de conscientização que foi traduzido pela iniciativa Criança e Consumo.

Em tempos de influenciadores mirins, a exposição da imagem de uma criança ou adolescente na internet pode ser intencional. Enquanto famílias de crianças influenciadoras se dedicam a conquistar seguidores divulgando o carisma e os talentos da criança, surgem questões problemáticas, como os limites do trabalho artístico e a publicidade infantil, que é proibida no Brasil desde 2014. Após anos investigando esse meio, fiz um documentário sobre esse assunto: o Infância em Caixa.

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Colabore com o Infância em Caixa

O nome do projeto é um trocadilho: ao mesmo tempo em que crianças influenciadoras recebem caixas com brindes de marcas em casa (os famosos “recebidos”), os lucros relacionados ao público infantil compõem uma parte importante do caixa de empresas de tecnologia e do setor publicitário. Fiz esse filme de forma independente e abri uma campanha de financiamento coletivo para custear os ajustes que o documentário precisa antes de ser lançado gratuitamente e ser exibido em escolas públicas.

Nós nunca saberemos como a minha vida teria sido se eu tivesse sido expulsa da internet. Agora ela é parte de mim, tanto que me tornei criadora de conteúdo. Todo mundo cria conteúdo em certa medida, é verdade, porém ter o trabalho recorrente de aparecer diante das câmeras, agradar a audiência, se manter atenta às tendências e tentar não não adoecer diante das pressões dos algoritmos e possíveis mensagens de bullying e ódio não é fácil. Crianças e adolescentes influencers são pessoas em desenvolvimento que estão vivendo dentro dessa lógica nociva enquanto exercem o direito de se comunicar, informar e construir vínculos. Sim, é contraditório e agridoce mesmo. Proteger crianças e adolescentes na internet é a nossa obrigação. Você vem junto comigo?

*Nathália Braga é jornalista