Empreendedorismo e protagonismo das mulheres negras: elevando o padrão de humanidade

A ancestralidade e a coletividade são pilares do empreendedorismo e protagonismo feminino negro, que ressignifica a economia e promove mudanças sociais

Haydée Paixão Publicado em 19/11/2025, às 06h00

Haidée Paixão: entre muitas coisas, é entusiasta da arte e cultura como forma de transformação social. - Foto: Divulgação

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O Brasil convive com uma contradição. De um lado a centralidade das mulheres negras na sustentação econômica das famílias e, de outro, a invisibilidade de seu papel no desenvolvimento do país. Hoje, essa realidade começa a mudar, não porque lhes foi concedido espaço, mas porque elas o conquistaram. O protagonismo das mulheres negras no empreendedorismo brasileiro é resultado direto de resistência histórica, inovação social, competência e posicionamento estratégico diante de um cenário que ainda impõe barreiras estruturais.

Quando olho para os números, vejo o reflexo de uma história que todas nós conhecemos bem. De acordo com o Sebrae (2023), mais de 4,7 milhões de mulheres negras são responsáveis por seus próprios negócios no Brasil. Muitas começam a empreender não porque sonharam com isso, mas porque o mercado formal insistiu em fechar portas. É o desemprego mais alto, os piores salários, a falta de acesso a crédito, a sub-representação no alto escalão e em áreas como ciência e tecnologia. Efeitos do racismo estrutural e institucional que atravessam a vida como uma linha invisível, mas constante e, até mesmo, cortante.

Ainda assim, é deste contexto adverso que nasce um dos movimentos econômicos e culturais mais transformadores do mundo contemporâneo.

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A força que vem da ancestralidade

O que aprendi com as mais velhas é que empreender, para nós, nunca foi só vender um produto ou abrir um CNPJ. É sobre circular afeto. É sobre costurar laços. É sobre transformar o que temos (às vezes pouco) em algo que alimenta quem está ao redor.

O empreendedorismo de mulheres negras no Brasil não é novidade, ele tem raízes nas formas tradicionais de organização econômica de comunidades afro-brasileiras, desde o século XVI. Das quituteiras às costureiras, das parteiras às líderes religiosas, o trabalho dessas mulheres sempre movimentou territórios, sustentou povos e estruturou comunidades inteiras. A diferença é que agora essa potência se torna visível, mensurável e reconhecida.

As quituteiras que mantiveram vivas as receitas ancestrais; as mães de santo que gerenciam verdadeiros complexos culturais; as costureiras que vestiram gerações; as comerciantes das feiras e quadras. Todas elas foram, muito antes de qualquer política pública, o motor de economias locais e de redes de cuidado.

Nossa vocação é coletiva e ecossistêmica

Muitas empreendedoras negras trazem para seus negócios valores herdados da ancestralidade: cuidado coletivo, criatividade diante da escassez e uma profunda consciência de território. São princípios que, quando traduzidos em práticas de gestão e inovação, produzem soluções que não apenas movimentam a economia, mas transformam realidades e conectam diferentes eco-sócio-biossistemas.

Esses empreendimentos têm um traço comum: resolver problemas reais. Seja ao oferecer produtos que consideram a diversidade racial, seja ao criar coletivos, plataformas e redes de apoio, as mulheres negras têm reconfigurado dinâmicas de mercado ao incluir perspectivas antes ignoradas.

O que mais me emociona quando vejo uma mulher negra empreendendo é que dificilmente ela está fazendo isso só por ela. Sempre há um território por perto, uma vizinha envolvida, uma rede que se forma, uma sobrinha que aprende, uma comunidade que cresce junto.

O futuro tem a nossa cara

Tenho certeza de uma coisa: o futuro da inovação e do impacto social no Brasil terá o rosto de uma mulher negra. Não porque agora o país descobriu essa potência, mas porque nunca houve desenvolvimento sem o trabalho, a criatividade e a inventividade das nossas.

A diferença é que agora fazemos isso com mais visibilidade, mais redes, mais consciência de que merecemos prosperar e não apenas sobreviver.

E se o Brasil quiser, de fato, crescer de forma justa e inteligente, vai precisar reconhecer que apoiar mulheres negras empreendedoras não é um favor. É estratégia de país. É motor de desenvolvimento. É ética. É reconciliação. É coragem de imaginar um futuro onde a igualdade não seja exceção, mas regra. Porque, quando uma mulher negra empreende, ela não move só a própria vida. Ela move o Brasil e o mundo inteiro. Por isso, quando investem em mulheres negras, o resultado nunca é individual. Multiplica-se. Se espalha. Ganha escala humana.

*Haidée Paixão é Consultora Jurídica e Educacional. Mestra pela USP e Pós-graduada em Direito Sistêmico. Co-autora do livro “Protagonismo de Mulheres em posições de liderança” e autora do Curso “Educação Antirracista no Século XXI”, em parceria com a ONG GAIA+, disponível gratuitamente no Youtube (link). É Palestrante, Capoeirista e entusiasta da arte e cultura como forma de transformação social. Idealizadora da Aflorarte Produções.

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