Com tantos lados engessados sobre um mesmo fato, precisamos encontrar o ponto em comum. E como podemos alcançar isso?
Mariana Wechsler* Publicado em 01/11/2022, às 06h00
Super recente, uma agência liderada por Thiago Baron e Rodrigo Toledo, chamada DOJO, criou uma unidade de estudos comportamentais (KOGA) e em parceria com a Offerwise e Eureka lançaram um estudo sobre Bolhas na comunicação da população Brasileira.
Foram mais de 2.000 entrevistados, e a conclusão é exatamente o que vemos na mesa do jantar, no cafezinho do escritório e em inúmeros programas de televisão e da internet: vivemos entre diversas bolhas de "diálogos" que não se comunicam e criam, na verdade, monólogos.
Segundo o estudo, a KOGA dividiu as bolhas entre contestadores (11,5%), isentos (43,1%), impositivos (4,5%), rígidos (13,3%) e idealistas (27,7%). Se você se interessar mais pelo estudo, veja-o aqui nesse link.
Com tantos lados engessados sobre um mesmo fato, o maior desafio é encontrar o ponto em comum. E como podemos alcançar isso?
Em março desse ano, eu publiquei um artigo, sob o título "Como falar sobre a guerra para crianças", que tratou exatamente sobre esse tema, e eu gostaria de trazer um trecho aqui também:
Eu acredito profundamente em micro revoluções. Dessas que a gente faz porque quer e com o que tem, todo dia um pouquinho. Dessas que pedem mais coragem do que você imagina. Eu acredito em mudanças simples de linguagem, mudanças de comportamento que acolhem o outro. Acredito na micropolítica, naquilo que a gente faz todo dia, no corpo a corpo, na força da tentativa, muito no processo de mapear uma ferida, e agir, de novo e de novo.
Mudar um hábito nocivo, é mais difícil, do que doar para uma instituição de caridade. É aí que nos tornamos agentes de transformação, nessas pequenas revoluções. Nós temos que acreditar – ter fé – nessa responsabilidade, mesmo que pareça não dar em nada, e é por isso que vai dar em muita coisa. É uma responsabilidade mais perto do “conte comigo”, “quero te ouvir”, e bem longe do que “você deve ser“...
Para isso precisamos ser aliados desse coletivo chamado sociedade. Precisamos aprender a respeitar genuinamente pessoas diferentes daquelas que estamos acostumados a conviver.
Você se considera aliado de alguma minoria? Você se considera aliado de alguém que tem uma vivência bem diferente da sua?
Provavelmente você vai responder que sim, mas você já parou para pensar no que isso realmente significa? Ser uma pessoa aliada não é apenas uma vontade, é um sentimento, é uma prática. É um exercício de aprendizado contínuo, bonito e transformador.
Ser aliada de verdade é extremamente desafiador, significa reconhecer nossos preconceitos, nossos privilégios, reconhecer-se como alguém potencialmente violento diante do outro quando impõe uma realidade, uma condição ou um mérito. E ainda segurar a onda da culpa, que não serve para quase nada, e transformar tudo isso em responsabilidade.
É sobre entender que o mundo que exclui sistematicamente a existência de muitas e muitas pessoas fala sobre todos nós, porque nós somos esse mundo.
A gente tem essa mania de exteriorizar o mal e colocar ele como algo inalcançável ou que não nos pertence. Porém, nossa sociedade é preconceituosa e sua estrutura é violenta - duas figuras tão grandes que a gente consegue se esconder no meio delas. Ser aliada é assumir o lugar que é seu na conversa e acolher os incômodos. É romper sua zona conhecida e ter conversas desconfortantes para você.
Quanto maior o seu acesso ao conhecimento, quanto menos violência você sofre por ser quem você é, quanto mais lugares e posições você ocupa, mais você tem pra dar como pessoa aliada. Não dá pra ser aliado na passividade, nunca vai se resumir em hashtags, em campanhas na internet. É sobre respeitar a outra pessoa no dia a dia, respeito é o mínimo diante de outra pessoa.
A gente precisa estar disposto a se expor, a interferir contra o mal, a apoiar, a ser escudo de enfrentamento mesmo que na nossa perspectiva não seja diretamente sobre a gente. É agir com intencionalidade em direção ao outro, é escutar muito e falar quando a nossa voz puder ser ponte, e ninguém ficar de fora dessa conversa.
Até você que já se sente aliado a uma narrativa, será que você está se propondo a ser aliado a narrativas de outras existências diferentes da sua?
Ser aliada a narrativas de outras pessoas diferentes de você é o coração do Budismo. A vida de cada um é cheia de coragem, sabedoria, energia e criatividade; tudo isso está em cada um, por vezes escondidos. Shakubuku é um conceito Budista que significa colocar em prática diariamente a compaixão e a crença em todas as pessoas sem distinção, uma atitude que começa em si e reconhece que todos possuem a natureza do Estado de Buda (de Iluminação).
Estar disposta a se expor, a interferir contra o mal, a apoiar, a ser escudo de enfrentamento mesmo que na nossa perspectiva a agressão não seja diretamente sobre a gente é um ato que requer coragem. Praticar apenas para si mesma pode parecer uma opção mais fácil, mas esse não é o verdadeiro caminho para a iluminação. Meditar sozinha não é o meio. Agir em conjunto com diferentes pessoas sob o mesmo propósito, maior que a sua própria existência, é o caminho da felicidade.
Ao darmos forma e expressão às potencialidades infinitamente variadas de cada um, de acordo com as particularidades de caráter, cultura e história, enaltece a beleza e maravilha de SER HUMANO. O objetivo da Vida para o Budismo é permitir que as pessoas se conscientizem e desenvolvam o potencial ilimitado de suas vidas. Isso é Shakubuku.
Refute uma visão parcial, transforme sua sensação de impotência que podemos sentir diante do sofrimento e denovos desafios, permita-se explorar os recursos de sua mente e de sua alma para transformar qualquer fonte de sofrimento e encontrar realização e propósito.
Memória é a soma de um fato ocorrido com uma forte e determinante emoção. Memórias replicadas em (re)ações criam hábitos. Portanto, mudando suas emoções sobre fatos da vida, você pode mudar seus hábitos, criando novos jeitos de pensar.
Vamos mudar o hábito de querer e buscar aquilo que estamos acostumados, de querer estar sempre numa zona de conforto e sem conflito de opiniões. Mude seu algoritmo, curta e compartilhe aquilo que é diferente do que você conhece para começar a ver novas realidades, novos pontos de vista.
Revolucione a sua mente, que você revolucionará tudo ao seu redor. Se você está bem, se sua saúde mental está boa, suas crianças irão perceber e entrar na mesma sintonia que você. Errar é humano e erros não deixarão de acontecer, mas estando consciente sobre suas percepções e sentimentos, você refletirá nas suas crianças o seu melhor que é o seu lado humano.
Seja sempre sua melhor amiga. Seja a pessoa fantástica que você é! Eu acredito em você, acredite em você também.
*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.
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