Artigo de opinião do jornalista Raphael Preto Pereira, colaborador do site Mariana Kotscho, sobre política e inclusão
Raphael Preto Pereira* Publicado em 21/10/2022, às 06h00
Há um baixo número de pessoas com deficiência que se candidatam a cargos públicos. É difícil também que elas consigam participar da vida partidária. Essa parcela da população representa mais de 14 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde feita em 2019. Eu sou um destes sujeitos.
Cito apenas dois exemplos: os diretórios zonais dos partidos políticos raramente seguem as normas de acessibilidade. Se um surdo aparecer em um escritório da agremiação que mais lhe agrade para fazer campanha, filiar-se ou militar, encontrará alguém fluente na língua brasileira de sinais para recepcioná-lo?
A resposta, infelizmente, é não. E essa situação não deveria causar surpresa. Se uma loja não tem vendedores fluentes na língua dos surdos, se escolas até hoje recusam matrículas de pessoas com deficiência apesar dessa prática ser proibida pela lei, por que as organizações partidárias deveriam se preocupar com isso?
Neste sentido, merece destaque a análise da candidatura à vice-presidente da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) em uma chapa com Simone Tebet (MDB). É a primeira vez desde a constituição de 1988 que uma pessoa com deficiência participa de uma chapa para o executivo federal.
Não deixo de reconhecer que Mara foi pioneira em muitas coisas. Basta dizer que quando ela foi eleita senadora, em 2018, o Senado se viu obrigado a fazer reformas que garantem acessibilidade ao local. Ninguém pensou que um estudante com deficiência poderia querer visitar o local e sendo assim, deveria ter respeitado o seu direito de ir e vir.
Naquele época já havia uma legislação que exigia que os prédios públicos fossem acessíveis às pessoas com deficiência, mas a casa legislativa só se preocupou com isso quando a primeira senadora cadeirante foi eleita.
Tenho consciência da importância de ter uma pessoa com deficiência disputando a presidência da república. Mas a participação de Mara na sabatina do UOL, me decepcionou.
Esperava que ela falasse sobre as propostas de sua chapa sobre economia, reforma da previdência, reforma política, mas isso não aconteceu.
Ela falou sobre assistência social, sempre evocando o ponto de vista das pessoas com deficiência, mas esqueceu, ou não quis lembrar que a rede de assistência social é em boa medida financiada pela previdência, e não quis entrar em uma discussão sobre o qual o modelo previdenciário que pretende adotar.
Também não sei o que ela pensa sobre reajustar ou não a tabela do Sistema Único de Saúde, o que impacta fortemente o financiamento das entidades que atendem a população com deficiência, que em sua maioria não tem recursos para financiar o tratamento através dos hospitais privados.
Dei esses dois exemplos por julgar que são transversais que tem relação com a deficiência. Acho que ela perdeu a oportunidade de demonstrar por mais A + B que pessoas com deficiência podem e devem ser ouvidas sobre qualquer assunto.
Portanto, é com alguma tristeza que eu constato que ela tentou levar a entrevista falando quase que exclusivamente sobre o tema da deficiência e conseguiu fazer isso a partir da metade da sabatina.
Inclusão, no fim das contas, é garantir que todos sejam ouvidos sobre tudo. Porque tudo diz respeito a todo mundo, e todo mundo, é todo mundo. Mesmo. Sempre.
*Raphael Preto, 28 anos é jornalista. Colabora eventualmente com Folha, Estadão e UOL. Escreve reportagens sobre educação. É uma pessoa com deficiência.
Acessibilidade é garantida por Lei para as pessoas com deficiência na sociedade
Campanha AACD Teleton completa 25 anos
Num mundo inclusivo, pessoas com deficiência vão às compras sozinhas
Inclusão: os censos ainda não trazem dados o suficiente sobre diversidade intelectual
A entrevista que eu nunca fiz