Mudança na maneira de ingerir álcool está associada ao estresse e sobrecarga de atividades gerados pela pandemia
Mariana Thibes* Publicado em 19/09/2022, às 06h00
Você é mãe e notou alguma mudança na forma que tem consumido bebida alcoólica nos anos de pandemia? Se a resposta foi sim, saiba que muitas mães passaram ou estão vivenciando isso. Não há dados nacionais, mas um estudo com mães norte-americanas com filhos menores de 5 anos mostrou que houve um aumento de 323% na ingestão de álcool entre elas do início da pandemia de COVID-19, em 2020, até novembro do mesmo ano.
O estudo atribui esse aumento estrondoso ao estresse gerado pelas dificuldades da pandemia sobre as mães. Historicamente, eventos catastróficos levam a um aumento do consumo de álcool, motivado pelo mito de que a substância possa auxiliar no enfrentamento das dificuldades, ou anestesiar os sofrimentos. Há também estudos que mostram uma tendência maior das mulheres a beber como resposta ao estresse, depressão e ansiedade. No entanto, no caso das mães, essas respostas são insuficientes. É preciso compreender esse aumento à luz das dificuldades que elas viveram de forma particular nesse período.
Durante a pandemia, diversos estudos mostraram que os impactos econômicos e de saúde mental foram maiores para as mulheres, principalmente para as mães. Dados mundiais de 193 países publicados na prestigiada revista Lancet revelaram que cerca de 26% das mulheres perderam seus empregos, ante 20,4% dos homens. No contexto nacional, estudo da Fundação Seade com mulheres da Região Metropolitana de São Paulo mostrou que entre as mulheres ocupadas em 2019, 27% não estavam mais trabalhando no final de 2020, sendo que 11% foram para o desemprego e 16% para a inatividade. Também foram registrados aumento da violência contra elas e um crescimento alarmante da mortalidade materna por COVID-19.
Além disso, as mães continuam a carregar muito mais o fardo do trabalho doméstico e de cuidados infantis do que os homens. Como resultado, podem ocorrer problemas de saúde mental e aumento do consumo de álcool. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, entre maio e junho de 2020, com homens e mulheres de várias regiões do país mostrou que elas foram as mais afetadas emocionalmente pela pandemia, respondendo pela maioria dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse.
Uma hashtag que ficou muito popular internacionalmente durante a pandemia foi a #winemom, ou seja, as “mães vinho”, que depois de um dia exaustivo e caótico de cuidado dos filhos, da casa e do trabalho em home office, tomavam uma taça de vinho para relaxar como recompensa para um dia difícil e postavam sobre isso nas redes sociais.
Longe de julgar as mães, até porque vivenciei a maternidade em plena pandemia e precisei conciliar todas as demandas do trabalho com o cuidado do meu filho, o que não foi nada fácil. O problema que considero importante apontar é quando esse comportamento se torna frequente e uma taça começa a ser pouco para obter o efeito relaxante desejado. Nesse caso, sem perceber, a quantidade de álcool passa a ser cada vez maior, o que pode trazer danos à saúde e piorar o problema ao invés de ajudar, impactando negativamente na qualidade do sono, afetando os hormônios femininos e até agravando quadros de ansiedade.
Você pode estar se perguntando agora: “mas então eu não posso nem beber para aliviar todo esse estresse?”. Existem momentos da vida da mulher em que o álcool realmente deve ser zero, como no caso das tentantes, gestantes e lactantes. Porém, se você não se enquadra nessas categorias, vale refletir sobre sua relação com o álcool, fazendo perguntas como:
Bebo para lidar com o estresse, depressão ou ansiedade?
Preciso de álcool para relaxar ou compensar um dia difícil?
Meu consumo está se tornando cada vez mais intenso e frequente, ultrapassando quatro chopes OU meia garrafa de vinho em cada ocasião em que bebo?
Se você respondeu sim para alguma dessas perguntas, atenção. Mais uma vez, não se trata aqui de um julgamento ou de não poder beber, mas é importante entender que o álcool não é uma boa alternativa para lidar com o estresse, um dia difícil ou com outros problemas emocionais. Outro ponto a considerar é que seu uso como alívio para uma vida estressante, além de não resolver o problema, pode retardar a busca por apoio e por mais tempo para cuidar de si, que é o que realmente as mães sobrecarregadas precisam.
Quem cuida também precisa ser cuidada. Além disso, fazer escolhas mais saudáveis irá refletir diretamente na sua qualidade de vida e, certamente, também na convivência e relacionamento com os filhos.
* Mariana Thibes é socióloga e coordenadora do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Possui doutorado em Sociologia pela USP e pós-doutorado em Ciências Sociais pela PUC-SP.
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