Palestras, diálogos, segurança armada na porta, revista dos estudantes: a maneira que escolas e autoridades combatem a violência é adequada?
Deborah De Mari* Publicado em 29/04/2023, às 06h00
Nas últimas semanas, pais de todo o Brasil debateram em grupos de whatsapp os atos de violência assustadores que aconteceram em São Paulo e Santa Catarina. Muitos temem todos os dias levarem seus filhos para a escola, depois da enxurrada de mensagens disparadas nos aplicativos de mensagens e redes sociais.
Sou mãe de um menino de 4 anos e fundadora de uma plataforma educativa para meninas, a Força Meninas. Neste ano, nós lançamos uma pesquisa inédita para investigar por que tão poucas meninas têm interesse nas áreas de Ciências Exatas.
A surpresa, contudo, foi a menção da violência de gênero revelada pelas meninas em escolas públicas e particulares de todo o Brasil. Infelizmente, esta é uma realidade muito conectada ao momento em que vivemos.
O incremento da violência nas escolas no pós-pandemia é tema recorrente entre pais e educadores, ou seja, o fenômeno não é novo, mesmo antes da pandemia a violência escolar ganhava novos contornos com o avanço dos crimes virtuais e outras peculiaridades.
Porém, o retorno da pandemia, após a polarização das eleições, trouxe um fato compartilhado por professores, gestores escolares e secretarias de educação de todo o Brasil: o aumento significativo dos casos — e com contornos ainda mais preocupantes.Um exemplo disso é a quantidade de episódios desse tipo que vem a público: atos de bullying e violência moral, física e até sexual, motivados pela intolerância de gênero e racial. Isso afeta até crianças que apresentam perfis neurológicos diversos.
Durante a nossa pesquisa, descobrimos que a violência de gênero como instrumento de detrimento psicológico é motivo de desencorajamento de professores e colegas. Colhemos depoimentos como:
“Disse ao meu pai que queria ser astronauta, ele me respondeu que sendo mulher e brasileira isso era impossível”, contou uma garota de 12 anos.
“Não pude fazer aula de reforço de matemática, porque ninguém pode me levar e não me deixam andar de ônibus sozinha pelo perigo. Aí desisti de estudar" relatou uma menina de 14 anos.
Esse cenário mostra que a violência de gênero prejudica também a capacidade de aprendizagem, potencial e até a participação de meninas em atividades que podem beneficiá-las no futuro como, por exemplo, uma aula de programação ou robótica.
Outro ponto surpreendente foi a menção por meninas na cidade do Rio de Janeiro da vontade de cursarem carreiras militares, com o objetivo de protegerem suas famílias. Ou seja, a violência de todos os dias determina escolhas profissionais e caminhos futuros.
Pois bem, qual é a relação disto com a crise que vivemos com os ataques às escolas? O primeiro ponto é refletirmos sobre quem são as vítimas e quem são os autores dos ataques.
A primeira resposta é que as vítimas dos ataques no Brasil são em maioria meninas e professoras. Veja alguns dados: Escola Estadual Thomazia Montoro (SP): de 6 vítimas, 4 eram mulheres; Escolas em Aracruz (ES): 3 mulheres e 1 menina; Barreiras (Bahia): 1 aluna PCD; Realengo (RJ): de 12 pessoas assassinadas, 10 eram meninas.
Meninos, brancos, atraídos pela violência e adeptos de uma cultura extremista -- este é o perfil dos autores dos ataques em sua maioria, segundo a pesquisadora Telma Vinha, da Unicamp.
Curiosamente a perspectiva de gênero dos ataques ainda é pouco destacada na mídia, mas evidente: em pesquisa virtual rápida sobre o perfil dos autores e as mensagens deixadas por eles em fóruns na internet foi possível observar que a intolerância e o ódio são os combustíveis dos agressores.
Esse fato parece surpreendente para você? Para mim, não. Apenas neste ano conversei com duas gestoras de escolas particulares e um gestor de escola pública a respeito de episódios de violência contra meninas em suas escolas.
No primeiro, a diretora relatou que uma menina de 11 anos estava sendo xingada e ameaçada constantemente por um ex-aluno por negar-se a ter com ele relacionamento amoroso. Os pais da menina não sabiam mais como agir já que a idade do menino não permitia que ele fosse acionado judicialmente e que seus pais que não pareciam agir de maneira eficiente para contornar a situação.
No segundo, um menino de cerca de 9 anos começou a bater nas colegas, sempre meninas, toda vez que se sentia contrariado. Apesar de as alunas dizerem à direção da escola que o garoto só agredia meninas, o diretor lhes respondeu ser complexo olhar para o problema desta forma porque as próprias professoras demonstravam limitações para enxergar a questão.
No último, a mãe de uma menina de 8 anos me relatou que, quando foi buscar a filha em uma festa e perguntar como foi, ouviu dela aos prantos que uma colega havia sido chutada pelos coleguinhas (meninos) na cabeça após errar uma brincadeira.
Estes são apenas alguns dos relatos que coletei nas inúmeras conversas que tenho tido sobre o tema, e que provavelmente também fazem parte de alguma forma do grupo de whatsapp das mães leitoras desta coluna.
Coincidentemente, essa realidade caminha junto com os dados alarmantes do aumento de feminicídios no Brasil desde o ano passado. Em nossa cultura, proliferam o ódio à vidas independente das mulheres e a intolerância aos grupos minorizados, sob a justificativa da necessidade de se manter um status quo.
Como podemos esperar que os meninos cresçam para construir conjuntamente uma sociedade mais igualitária e menos violenta?
Para mim, o primeiro passo é levar às escolas a conversas difíceis e trazer mais para perto as famílias — desenvolver a responsabilidade coletiva e construir em consenso comunidades (comum + unidade) de diálogos, de cultura de paz.
A problemas complexos, apenas soluções sistemáticas podem trazer resultados. A visão de que a solução do problema está apenas na vigilância, seja dos pais ou das autoridades, é simplista e tira de todos nós, pais, o que temos de mais importante: AUTONOMIA E RESPONSABILIDADE.
É urgente combatermos as raízes das dores da nossa sociedade. Desenvolver um
enfrentamento coletivo às desigualdades sociais e violências que perseguem populações consideradas "minorizadas"e historicamente discriminadas, que são as maiores vítimas destes atos exige um esforço imenso e conjunto de toda a sociedade
As mães de meninos brancos, como eu, precisamos urgentemente educar nossos filhos contra a cultura da violência, do bullying, da opressão e da desigualdade que nos empurrou para onde estamos. Essa cultura cria apenas vítimas e não tem vencedores. Somos hoje todas mães e vítimas do Medo.
Meninos desde cedo precisam saber que meninas e mulheres não competem com os meninos e homens: elas querem ter direito ao seu lugar, merecem viver e ter autonomia para fazerem suas escolhas e determinarem seus caminhos.
Precisamos criar meninos que queiram vencer juntos, que sejam meninos melhores para a construção de uma sociedade mais pacífica, justa, solidária e boa, para as filhas e os filhos de todos. Todos,Todas Nós.
*Deborah De Mari é fundadora da Força Meninas foi considerada Top Voices em Igualdade de Gênero pelo Linkedin Brasil em 2022, também é vencedora do Prêmio de Direitos Humanos 2021 da Embaixada do Canadá e eleita pela organização britânica Apolitical como TOP 100 mais influentes em Políticas de Gênero do mundo. Deborah também foi finalista do MIT Solve Challenge 2020, e escolhida como uma das 104 líderes de comunidade mais relevantes do mundo pelo Facebook, em 2018.
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