Apagão docente: o desafio que ameaça a educação brasileira

O apagão docente expõe a falta de professores qualificados e coloca em risco a qualidade da Educação Infantil e o futuro do país

Redação Publicado em 25/09/2025, às 14h10

A formação continuada para educadores da primeira infância ainda é limitada - Foto: Canva Pro

O Brasil enfrenta hoje um desafio estrutural que ameaça diretamente a qualidade da educação oferecida às novas gerações: o apagão docente. O termo tem sido usado para descrever um cenário preocupante de escassez de professores, desinteresse pela carreira e fragilidades profundas na formação inicial e continuada. Estima-se que, se nada for feito, o país poderá ter um déficit de até 235 mil professores até 2040, segundo projeção do Instituto Semesp em estudo divulgado pela Fundação Carlos Chagas.

O quadro já se revela no presente: apenas 41,7% dos docentes participaram de cursos de formação continuada em 2023, conforme dados do Ministério da Educação. Além da baixa adesão a programas de atualização, muitos professores atuam fora da área de sua formação ou sem preparação adequada, evidenciando uma lacuna preocupante na base da educação brasileira.

Esse apagão se torna ainda mais crítico quando se olha para a Educação Infantil, etapa que compreende a creche (0 a 3 anos) e a pré-escola. Estudos comprovam que investir nos primeiros anos de vida tem impacto direto na redução das desigualdades educacionais, no sucesso escolar e no desenvolvimento socioemocional das crianças. No entanto, a formação específica de profissionais para esse segmento ainda é incipiente. O Brasil sequer possui um sistema nacional de avaliação da qualidade da Educação Infantil, e a oferta de formações continuadas específicas para educadores dessa área é limitada. Sem professores bem preparados, não há como garantir práticas pedagógicas adequadas nem ambientes escolares que respeitem a diversidade e a singularidade das infâncias.

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A realidade do Vale do Paraíba, em São Paulo, ilustra esse quadro nacional. De acordo com levantamento do MEC, em 2024 havia quase 5 mil crianças de 0 a 3 anos aguardando vaga em creches da região. Em vários municípios, a matrícula só é oferecida a partir de idades mais avançadas e, em casos extremos, há cidades que não ofertam vagas para essa faixa etária. Além da dificuldade de acesso, a formação dos profissionais também é insuficiente. Um levantamento da Fundação Lúcia & Pelerson Penido (FLUPP) mostrou que, entre 13 municípios participantes do projeto VIM Encantar, apenas seis realizavam formações específicas para equipes da Educação Infantil. A ausência de orçamento reservado para capacitação é um dos grandes entraves, e a dependência de parcerias externas se torna inevitável.

É justamente nesse cenário que iniciativas da sociedade civil ganham importância. Criada em 2011, a FLUPP tem se consolidado como um vetor de transformação no Vale do Paraíba. A fundação atua tanto na formação inicial, com o Projeto Melhores Cabeças, que oferece bolsas de estudos integrais para estudantes da rede pública interessados em seguir a carreira docente, quanto na formação continuada, por meio de projetos como o VIM Encantar e o Prêmio FLUPP de Educação. Além disso, realiza anualmente o Seminário de Educação Infantil do Vale do Paraíba – “O Infantil é Fundamental”, que reúne centenas de educadores, gestores e especialistas em torno de práticas pedagógicas inovadoras. A edição de 2025, em Jacareí, abordará o tema “Múltiplas Infâncias”, destacando a diversidade como elemento essencial para a construção de uma escola inclusiva e plural.

A programação do Seminário inclui palestras de especialistas como Katia Cibas, do Instituto Rodrigo Mendes, e Daniel Munduruku, escritor e ativista indígena, além de mesas de boas práticas e apresentações culturais, como a do Coral Heliópolis. Mais do que um evento pontual, o encontro simboliza o compromisso de valorizar a Educação Infantil como etapa fundamental do desenvolvimento humano. Ao dar voz a professoras como Laureane, de Caçapava, Elizandra, de Guaratinguetá, e Ana Cristina, de Jacareí, o Seminário mostra que práticas locais podem inspirar mudanças sistêmicas, reforçando que cada docente é um agente de transformação. Cada real aplicado na primeira infância retorna em forma de cidadania, desenvolvimento sustentável e redução das desigualdades sociais.

Investir na formação de professores não é gasto, mas sim a base de um ciclo virtuoso que impacta toda a sociedade. O estudo “O Professor Brasileiro”, realizado pela FGV, mostrou que a qualidade do professor é responsável por 57,7% da aprendizagem dos alunos. Entretanto, sem políticas públicas robustas que garantam valorização profissional, boas condições de trabalho, formação inicial e continuada de qualidade e carreiras com progressão por desenvolvimento, o risco de agravamento do apagão docente permanece. A experiência da FLUPP demonstra que caminhos existem: formar, apoiar e reconhecer professores é a única forma de assegurar que cada criança tenha o direito a uma educação de qualidade.

Esse desafio é urgente e coletivo. O Brasil precisa transformar a educação em prioridade estratégica, sob pena de comprometer seu futuro. O apagão na formação docente não pode ser naturalizado, porque sem professores não há escola, não há aprendizagem, não há democracia. É na força de iniciativas como a da FLUPP e na responsabilidade do poder público que está a chave para superar esse cenário e garantir uma Educação Infantil verdadeiramente universal e de qualidade.

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