A Consolidação das Leis do Trabalho assegura direitos especiais das gestantes, visando proteger a maternidade e a família
Dra. Lucy Toledo das Dores Niess* Publicado em 07/05/2025, às 06h00
O legislador, ao proteger a empregada gestante, procurou atingir duas finalidades precípuas: por um lado, proteger o trabalho da mulher e, de outro, cumprir um objetivo social maior, qual seja, a defesa da família e da maternidade.
O conceito de empregado foi fixado pelo legislador no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, considerando empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Pelo exame do referido texto legal, verifica-se que a CLT exige, taxativamente, a ocorrência de vários requisitos para a caracterização do empregado: a) serviços prestados sob dependência; b) mediante pagamento de salário; c) de caráter permanente. A dependência é a jurídica, vale dizer, a subordinação hierárquica do trabalhador consistente no cumprimento das ordens legítimas emanadas do empregador ou de seus prepostos. O pagamento de salário decorre da própria natureza do contrato de trabalho que, sendo um acordo de vontades bilateral e oneroso, em contraprestação aos serviços prestados, obriga o empregador a fazer o pagamento da remuneração convencionada. O caráter de permanência também é oriundo da própria natureza do contrato, que é um contrato de duração e, mais especificamente, de execução.
O conceito se estende à empregada gestante, vez que o parágrafo único do citado artigo 3º estabelece que “não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.
Gestação no sentido técnico fisiológico indica o tempo de desenvolvimento do embrião no útero materno, desde sua concepção até o momento do nascimento. PINARD, citado por ALMEIDA JR e J.B. DE O. e COSTA JR., define de forma objetiva a gestação como o “período durante o qual a mulher conserva dentro de si, e alimenta, o produto da concepção” (Lições de Medicina Legal, 9ª ed., S.P., Ed. Nacional, l971, p. 337).
Quanto à duração da gravidez, nosso Código Civil (art. 1.597, I e II) estabelece uma presunção legal de que são concebidos na constância do casamento os nascidos pelo menos 180 dias depois de estabelecida da convivência conjugal e os nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal. Admite-se, portanto, como tempo de duração de uma gestação, um tempo mínimo de 180 dias (com feto viável) e um tempo máximo de 300 dias, havendo, contudo, uma duração média usual. Tem-se calculado uma média de gestação entre 270 e 280 dias (dez meses lunares ou nove meses solares), cifras essas aceitas pela maioria dos autores (Manual de Sexologia Médico-Legal, S.P., Revista dos Tribunais, 1972, p. 45-6). ALMEIDA JR e COSTA J.B. DE O. e COSTA JR., esclarecem que existem gestações prolongadas, durando mais de 300 dias (Op. Cit., p. 361).
Quanto à duração mínima, importante dizer que os recém-nascidos com menos de 27 semanas (180 dias) raramente tinham condição de vida autônoma mas, hoje, em razão dos progressos científicos dirigidos à assistência aos imaturos, a duração mínima vem sendo diminuída, sendo que a literatura médica média tem considerado a gravidez a termo a ocorrida entre 37 e 42 semanas.
A legislação trabalhista, em virtude do duplo fator de amparo (mulher e gestação), dentro do cuidado especial do trabalho da mulher (em razão de suas diferenças somáticas), dá uma proteção especialíssima à empregada gestante (CLT, artigos 391 a 395). Protegendo-se a futura mãe, estar-se-á protegendo o futuro trabalhador e a auxiliando a cumprir a missão mais sublime e mais nobre de todas: a de ser mãe, obedecendo assim aos preceitos bíblicos do crescei e multiplicai-vos.
SEGADAS VIANNA, expressando-se a respeito dos antecedentes históricos do trabalho da mulher, menciona que “Desde que o homem trabalhou tem a ajuda da mulher; e talvez, segundo a narração bíblica, teria recebido a obrigação de trabalhar por causa da mulher (...) Companheira do homem nos momentos de alegria e de tristeza, nas horas do descanso e do trabalho, era para os romanos consortium omnis vitae e para os germanos, segundo Tácito, laborium pericudorunque socia”. (Instituições de Direito do Trabalho, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1977, v.2, p.203).
Mas, a mulher, que na verdade tradicionalmente era segregada às funções do lar durante séculos, de repente, é chamada pelo desenvolvimento industrial a contribuir com sua mão de obra. O capitalismo, por sua vez, aproveitou-se do afluxo das mulheres às fábricas, reduzindo os salários e aumentando as horas de trabalho. De outro lado, a emancipação feminina e outros fatores de ordem privada impeliram a mulher a dividir o seu tempo entre as tarefas do lar e o trabalho remunerado.
A proteção à empregada gestante já foi objeto de preocupação dos legisladores constituintes quase um lustro antes da promulgação da CLT. Teve início com a Constituição de 1934 (art. 121, § 1º, “h”), seguida das Constituições de 1946 (art. 157, X), de 1967, bem como na redação da Emenda nº. 1 de 1969, garantindo, sempre, à gestante o emprego e o direito ao repouso remunerado antes e depois do parto. Entretanto, tais Constituições não mencionavam o período de afastamento, que, de acordo com o art. 392 da CLT era de 84 dias, (“É proibido o trabalho da mulher grávida no período de 4 (quatro) semanas antes e 8 (oito) semanas depois do parto”), artigo este que por se contrapor à nova Constituição, restou modificado.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 consignou expressamente que o período de garantia do emprego e salário da gestante tem a duração de cento e vinte dias (art. 7º, XVIII), garantia essa agora também estendida à adotante ou àquela que possui a guarda judicial, seja o contrato de trabalho por prazo indeterminado, determinado ou ainda por experiência, podendo o início do afastamento acontecer, a critério do obstetra que acompanha a gravidez, até o 28º dia antes do parto.
É possível a prorrogação da licença-maternidade por mais 15 (quinze) dias quando a amamentação é exclusiva, ou seja, a única fonte de alimentação do bebê; quando a saúde do bebê exige a extensão do período de amamentação e, ainda, em caso de internação hospitalar da mãe ou do recém-nascido após o parto em razão de complicação médica, por mais 14 (quatorze) dias, contados da data da alta hospitalar do último que a recebeu (mãe ou bebê).
A Portaria Conjunta n° 28/2021 do INSS regulamenta a prorrogação da licença-maternidade em casos de complicações médicas relacionadas ao parto. A Lei nº 11.770, de 09/09/2008, criou o Programa Empresa Cidadã, prorrogando a licença-maternidade por 60 (sessenta) dias, desde que o pedido tenha sido feito até o final do primeiro mês após o parto, oferecendo incentivos fiscais às empresas que o adotam.
Com a adesão ao referido Programa, o governo federal custeia a prorrogação da licença-maternidade, deduzindo do imposto o custo do empresário. Também passou a merecer disciplina constitucional a denominada estabilidade provisória da gestante (ou seja, a garantia de emprego da empregada gestante), estabilidade esta cuja evolução doutrinária, jurisprudencial é resultante das normas oriundas das convenções coletivas, que já vinham se antecipando ao legislador constituinte e ordinário. Assim, o art. 10, inciso II, letra “b” do ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS, concede a garantia de emprego desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto, ficando neste período vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Nossos Tribunais reconhecem à gestante despedida injustamente o direito aos salários de todo o período da gravidez, do salário-maternidade correspondente aos 120 dias de afastamento legal bem como da estabilidade provisória, inibindo desta forma as freqüentes dispensas de empregadas grávidas.
Esmera-se ainda a Consolidação das Leis do Trabalho em defender a integridade orgânica e moral da empregada gestante, encabeçando o elenco das disposições pertinentes o art. 391 que estabelece não constituir motivo justo para a rescisão do contrato de trabalho o fato de a mulher haver contraído matrimônio ou encontrar-se em estado de gravidez. À convolação de núpcias é decorrência natural a gravidez da mulher, sendo, pois, manifesto que os estados de casada e/ou gravidez não podem autorizar a despedida sem indenização.
Por outro lado, pode a empregada gestante resolver o contrato de trabalho, mediante atestado médico, desde que o trabalho lhe seja prejudicial à gestação (CLT, art. 394), tendo nestas condições um justo motivo e ficando, portanto, dispensada de dar aviso prévio ao empregador.
Em casos excepcionais o período de afastamento legal de 120 dias poderá ser aumentado por mais duas semanas antes e mais duas semanas após o parto (CLT., art. 392, § 2º). Em caso de parto antecipado (prematuro) será assegurado à gestante o mesmo período de 120 dias ininterruptos de repouso (art. 392, § 3º). Tal afastamento (licença) concedido à empregada gestante tem caráter compulsório (v.g., os termos da lei: “É proibido o trabalho da mulher grávida no período ...”).
Para que a empregada gestante goze do benefício (licença-maternidade), deve preencher o requisito essencial previsto no § 1º do mesmo art. 392: o início do afastamento será determinado por atestado médico oficial.
Uma vez que a Constituição Federal garante a conservação do emprego durante o repouso da gestante, e porque a CLT assegura o direito à licença remunerada sem distinção entre os diversos tipos de trabalho (art. 392), tanto em se tratando de contrato por prazo determinado como de contrato de experiência, continua o empregador obrigado a conceder a licença remunerada a que fizer jus a empregada gestante. Assim, desde que o termo estipulado para a extinção do contrato não ocorra antes de iniciado o período de afastamento compulsório da gestante, ser-lhe-á devida a licença remunerada.
Durante o afastamento, no período indicado (interrupção do contrato de trabalho), serão devidos à gestante os salários integrais (denominado salário-maternidade), calculados de acordo com a média dos seis últimos meses de trabalho se variáveis, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava (art. 393 da CLT).
Encerrando as disposições relativas à empregada gestante, a CLT estatui que em caso de aborto espontâneo, também comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de duas semanas a contar da data do acidente, com direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento (art. 395).
Caso ocorra o parto de natimorto, o benefício (salário-maternidade) será devido pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias (Instrução Normativa PRES/INSS n° 128/2022, art. 358). Há diferença entre o aborto espontâneo, que é o que ocorre até a 20ª semana da gestação e o caso de natimorto, quando o óbito ocorre a partir da 20ª semana gestacional.
Para finalizar, cabe ressaltar que a Lei n. 9.020, de 13.04.95, considera ato discriminatório do trabalho da mulher a exigência, pelo empregador, de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou outro qualquer meio destinado a esclarecer se está grávida ou esterilizada. O ato é punido com a pena de detenção de 1 a 2 anos, multa administrativa de 10 a 50 vezes o maior salário pago pelo empregador e a proibição de financiamentos em instituições oficiais. Prevê a lei a reintegração no emprego com o pagamento dos salários do período de afastamento em dobro, se houver dispensa discriminatória originária desses motivos.
*Dra. Lucy Toledo das Dores Niess é Bacharel em Direito e Pós-graduada pela F.D.U.S.P., Auditora-Fiscal do Trabalho Aposentada em São Paulo, Advogada sócia do Toledo Niess Advocacia
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