A gestação é uma fase caracterizada por mudanças que despertam diversos sentimentos nas mulheres e olhar para a saúde mental das gestantes é fundamental
Isabella Thomé Lopes* Publicado em 31/01/2024, às 06h00
A gestação é uma fase caracterizada por mudanças que despertam diversos sentimentos na mulher, envolvendo questões físicas, sociais, emocionais, financeiras, espirituais. É um processo intenso e provocativo do qual, algumas vezes, nove meses até parecem pouco, não é?
Cada trimestre carrega características específicas, que vão desde as inseguranças e incertezas sobre o desenvolvimento gestacional, até cobranças sociais e a ambiguidade quando o nascimento está próximo. É uma mudança que vai além do que se acessa facilmente: é a transição e a busca de equilíbrio entre as posições de “mulher – mãe – esposa – filha – profissional”.
Fora todo esse processo de adaptação, os hormônios do corpo da mulher vão crescendo e tendo impacto nos comportamentos e intensidade dos sentimentos, distanciando a capacidade de controle emocional. Quando o bebê nasce, todos esses hormônios começam a sofrer uma queda brusca, interferindo diretamente na forma que a mulher responde a qualquer situação vivenciada – ou seja, o que já era sensível durante a gravidez, fica mais intenso no pós-parto.
Não é incomum ouvirmos falar do tão temido puerpério e o fantasma da depressão pós-parto, isso porque cerca de 80% das mulheres relatam vivência de sentimentos entristecidos após o nascimento do bebê, segundo a Organização norte-americana American Pregnancy Association.
Mas, afinal, o que é tristeza puerperal, baby blues e depressão pós-parto?
A queda brusca dos hormônios, como mencionado anteriormente, possui impacto direto nas reações dessa mulher, tendo início logo após o nascimento do bebê e podendo durar aproximadamente duas semanas. Essa fase se chama baby-blues ou tristeza puerperal, e é extremamente comum.
Nessa fase, pode ser que a mulher sinta medos e inseguranças, facilmente alternando momentos de choro e felicidade. Além disso, certa irritabilidade e impaciência também podem se fazer presentes, ainda mais quando somado à privação de sono - muito esperada devido aos cuidados com o bebê recém-nascido. Esses fatores juntos podem estabelecer um descontrole emocional. Na maioria das vezes é passageiro e não é necessária intervenção clínica.
Já a depressão pós-parto não é passageira. Além dos sintomas semelhantes ao baby blues se intensificarem, a mulher começa a apresentar certa paralização de funções básicas do dia a dia, como higiene pessoal e autocuidado. Dentro de tais sinais e sintomas, os que se destacam são a falta de interesse e conexão com o bebê, além de pensamentos suicidas.
Paras as mulheres que já possuem um diagnóstico prévio de doença psíquica, o acompanhamento psicológico se torna indispensável no pós-parto, mesmo que de maneira preventiva. De acordo com a American Pregnancy Association, aproximadamente 15% das puérperas desenvolvem depressão pós-parto, sendo uma condição que tem tratamento, se identificada e acolhida de maneira apropriada.
O puerpério é uma experiência singular e pode despertar o sentimento de solidão algumas vezes. Dividir sentimentos e responsabilidades com parceiros e rede de apoio auxilia essa mãe a reconhecer que não está sozinha, tendo impacto significativo em sua saúde mental.
A importância dessa relação de parceria e presença de rede de apoio se estende para além do puerpério, ou seja, mais do que somente os dois primeiros meses depois do nascimento do bebê. Em época de férias escolares, por exemplo, é comum que a rotina e dinâmica familiar sofram uma adaptação – o que, muitas vezes, desperta certa desorganização na estrutura.
A necessidade de entreter, educar e ocupar as crianças pode despertar sentimentos de autocobrança, ansiedade e, muitas vezes, irritabilidade. Em casos que essa dinâmica se torna intensa e contínua, é possível que se inicie um quadro de burnout parental.
O burnout parental, assim como o burnout clássico, é caracterizado pelo estresse crônico e duradouro, ocasionando em esgotamento emocional. Tal esgotamento pode gerar comportamentos de distanciamento dos filhos, apatia, sentimento de ineficiência do papel paterno/materno e isolamento.
Contar com uma rede de apoio e suporte familiar é um pilar de sustentação importante, podendo amenizar os impactos de tais mudanças. No caso da identificação de tais sinais, é recomendado realizar uma avaliação psicológica e psiquiátrica para acompanhar intensidade de sintomas e analisar necessidade de uma intervenção medicamentosa.
Praticar o autocuidado também é essencial quando falamos em saúde mental. Ajustar rotina, trabalhar com flexibilidade e reconhecer os limites são instrumentos de enfrentamento que auxiliam durante esse processo de adaptação.
*Isabella Thomé Lopes, psicóloga do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista