O documentário conta a história da artista Georgia Bergamim que sofreu abuso sexual pelo padrastro durante a infância
Redação Publicado em 25/10/2024, às 06h00
"Depois de tanto tempo escondendo tudo isso, é incrível poder ver chegar tão longe uma história que vai alertar e quebrar o silêncio de outras pessoas", diz Georgia Bergamim.
O documentário "Apesar de," conta a história das violências sexuais que a artista sofreu entre os 8 e 11 anos de idade. O filme é o primeiro longa-metragem da diretora Beatriz Prates.
O documentário foi apresentado esta semana no festival internacional "Bread and Roses", em New Jersey, nos Estados Unidos. O Bread and Roses é um festival internacional centrado em cineastas mulheres. O evento foi criado para dar espaço a vozes femininas depois das restrições impostas ao aborto legal nos Estados Unidos.
"Para nós é muito importante a gente estar nestes espaços onde estão sendo discutidos os direitos das mulheres e das meninas. O "Apesar de," é um alerta pra nossa sociedade. Precisamos falar sobre abuso sexual infantil, um crime que acontece dentro de casa e na maioria das vezes praticados por conhecidos das crianças", diz a diretora Beatriz Prates.
No documentário, Georgia narra com detalhes as violências que sofreu. "A Georgia é muito generosa e corajosa quando divide a sua história", explica a produtora executiva Luciana Festi. As especialistas no tema, a psicóloga Gorete Vasconcelos e a psicanalista Elisama Santos, ajudam a explicar a jornada do processamento do trauma da artista que utilizou seu corpo e técnicas de contorção para se reinventar.
As imagens VHS de vídeos caseiro da família de Georgia ajudam o espectador a entender a dinâmica da família. Outro recurso interessante que foi utilizado para contar a história foram números de contorcionismo e lira criados exlcusivamente para o filme. A distribuidora do documentário é a Encrypta.
A produção é marcada pela forte presença feminina, com Beatriz Prates assinando a direção, o roteiro e a produção executiva, e Luciana Festi, que também atua como produtora executiva, além da direção de fotografia e arte.
A trilha sonora é de Arthur Decloedt, um nome conhecido no cinema, que já contribuiu com suas composições em diversos filmes, enriquecendo a narrativa do documentário.
"Apesar de," foi produzido em colaboração entre as produtoras Butterfly, Cabide Filmes e Maria-Sem-Vergonha. A Butterfly é uma produtora independente focada em documentários, a Cabide Filmes faz produções de transmissões ao vivo e a Maria-Sem-Vergonha é especializada em narrativas sobre sustentabilidade e impacto social.
O filme recebeu patrocínio do Instituto Beja e do Daniel Law, e também conta com o apoio institucional de organizações como Childhood Brasil, Instituto Liberta e Coalizão pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Além do Bread and Roses, o "Apesar de" também foi selecionado para o CineFem em Punta Del Este no Uruguai.
Se você ou alguém que você conhece está enfrentando violência doméstica ou corre o risco de feminicídio, denuncie imediatamente ligando para o Disque 100.
Toda criança quando acorda de um pesadelo quer dormir na cama dos pais. E o que acontece se essa cama se torna fonte do seu maior medo? A escritora e contorncionista Georgia Bergamin viu sua casa se transformar no lugar mais perigoso do mundo com a chegada de um abusador, seu padrasto. Ela foi violentada dos 8 aos 11 anos de idade.
Família, escola, agentes de segurança, sistema de saúde... todos falharam com Georgia. Ela sobreviveu aos abusos, a anos de violência doméstica e através da sua arte reconstruiu a sua história. Uma jornada cheia de desafios, sacrifícios, contorcionismos, descobertas e encontros consigo mesma. O corpo sofre, resiste e fala. Georgia está forte, saudável e viva. Assista ao trailer aqui.
Beatriz Prates é jornalista há mais de 20 anos, mãe de dois filhos e documentarista com interesse na situação das mulheres. Trabalhou em diversos veículos de mídia tradicional brasileiros, como Globo e Vanguarda, e atuou como freelancer no Reino Unido para jornais como Estadão, Folha, IG e Record.
Entre 2017 e 2021, Beatriz foi diretora-geral do Canal MyNews, um canal de notícias independente no YouTube. No MyNews, dirigiu diversos programas e documentários e participou da captação de fundos internacionais para produção jornalística. Em 2010, Beatriz concluiu um mestrado em Jornalismo Internacional pela Birmingham City University.
Na Vanguarda, afiliada da Globo, Beatriz foi editora-chefe de um programa de notícias locais, Na Globo trabalhou como editora dos programas Globo Rural e SPTV.
Mariana Kotscho: Beatriz, como você descobriu a história da Georgia?
Beatriz Prates: A Georgia é uma das melhores amigas da produtora executiva do filme, a Luciana Festi. Quando a Luciana me contou a história eu fiquei muito impactada. Na época havia uma conversa sobre a aprovação do homeshooling no Brasil e também uma campanha muito grande contra a educação sexual nas escolas. Então, pensei que um filme contando a história da Georgi, que é tão triste e ao mesmo tempo potente, poderia provocar novas conversas na nossa sociedade. Quando a gente vê uma pessoa falando abertamente sobre como este tipo de crime acontece, a gente muda a nossa percepção. Não tem como conhecer essa história e não sair transformado. O abuso sexual infantil acontece na maior parte das vezes entre quatro paredes. É um crime difícil pras famílias. E se a gente não fala sobre o tema, é como se ele não existisse.
MK: Por que decidiu fazer o filme?
Beatriz Prates: Eu sou jornalista e minha carreira é toda no audiovisual. Decidi contar essa história porque fiquei muito comovida com ela. Uma menina sendo abusada durante 3 anos, ameaçada, em silêncio. Todo mundo falhou com ela, o sistema falhou e ela está aqui viva. Quando conheci a Georgia pessoalmente fiquei impressionada com a maneira como ela falava do assunto, aprendi muito. Dirigir e escrever este filme foi muito intenso.Tive que lidar com questões éticas profundas durante as gravações e montagem também. Eu fiz o filme para a Georgia criança que estava ali sofrendo e mantendo o sorriso no rosto sem poder contar pra ninguém as violências que sofria.
Mariana Kotscho: Georgia, qual importância de falar tudo expor tudo o que você passou?
Georgia Bergamim: Quando comecei a expor tudo o que aconteceu comigo, foi porque escutei alguém dando seu relato, aquilo de certa forma me encorajou. Ao longo dos anos, quando eu falava sobre o que tinha acontecido comigo, sempre criava um ambiente propício para a fala e a escuta de outras vítimas. Ouvi, vi e li muitos relatos e muitos segredos se quebrando através da minha fala. Da força que é possível criar. Uma voz puxa a outra. São vozes que transformam, não só pelo lado de curar e resignificar aquele sentimento e experiência que foi guardado no escuro e no silêncio, como também essas vozes trazem força para que a gente tenha mais consciência sobre o problema e como evitar isso com as próximas gerações. Essa é a importância de expor! A verdade tem que ser exposta e precisamos ser maiores no combate, da mesma forma que as estatísticas mostram como é enorme o tanto de abuso que acontece. Eu espero que o filme ajude a quebrar silêncios guardados, que traga cura e conscientização para as pessoas. Que ele vá além do que as pessoas admirarem uma história de superação. Ele é muito mais profundo que isso.
MK: O que é preciso ser feito para prevenir e combater o abuso sexual no Brasil?
Georgia Bergamim: Como não podemos prever tão bem quem são os abusadores, já que eles estão em todos os lugares e podem ser qualquer pessoa, acredito que a educação e um pacto de cumplicidade com as crianças são os caminhos.
Preparar pais e profissionais para saber ler os sinais. Educar sobre onde pode e não pode tocar. Quando pedir ajuda se algo acontecer. Ensinar a criança e identificar o que não é normal.
Não tratar criança como uma “coisa”. Quanto menos atenção e credibilidade você der pra criança, você bate como forma de “educação”, etc, muitas dessas coisas podem interferir na criança em não poder confiar em você para fazer uma denúncia. E quando falo de profissionais, também falo do sistema de saúde (enfermeiras, médico), sistema de segurança (policiais, delegados, juízes).
Acho que além disso, trazer a causa mais para o holofote como outras causas já são! Para que a denúncia não seja só mais uma grande frustração. As pessoas ao entorno também precisam parar de proteger o abusador. A realidade é cruel. Quando descobrimos que um parente nosso é algum capaz de algo tão asqueroso, é difícil! Mas pode ter certeza que está sendo muito mais difícil pra quem passou pelas mãos dele!
O estuprador é preso hoje e daqui seis meses já é solto e isso quando não falam que não “tinham provas”. É preciso que as leis que já existem realmente funcionem e que tenhamos posicionamentos mais rigorosos.
MK: O que espera com o filme?
Georgia Bergamim: Espero que o filme possa inspirar em muitas camadas! Além de trazer muita conscientização e informação. Seja para quem já viveu isso e de certa forma ainda não encontrou uma paz interior e sente que tem muita coisa bagunçada ainda dentro dela. Ou seja para as pessoas que vão olhar e dar mais atenção ao assunto, aprender mais sobre ele com as especialistas e prestar mais atenção as crianças a sua volta dali em diante.
Em setembro, o filme foi exibido em outro festival internacional: o CineFem em Punta del Leste no Uruguai. Um festival para cineastas mulheres. Beatriz e Georgia estiveram juntas lá. Depois do filme, a plateia inteira veio abraçar a Georgia, queriam saber tudo sobre como fizemos o filme, foi muito emocionante - conta Beatriz.
A estreia do "Apesar de" deve acontecer ainda este ano. O filme estará disponível em várias plataformas de streaming. Entre elas: Looke, Amazon, Now e Youtube. A distribuição é da Encripta.
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