Estudo revela queda em bem-estar e motivação de jovens superdotados na transição do ensino fundamental para o médio
Redação Publicado em 01/05/2025, às 06h00
O adolescente superdotado carrega muito mais do que um alto potencial intelectual. Ele transita por uma fase marcada por intensas transformações emocionais, questionamentos existenciais e, muitas vezes, um sentimento de inadequação diante de um sistema educacional que nem sempre o acolhe ou compreende. Uma pesquisa recente realizada com 166 alunos com altas habilidades/superdotação (AH/SD), com idades entre 10 e 18 anos, escancara essa realidade ao revelar um declínio importante nas dimensões emocionais e motivacionais desses estudantes ao longo da adolescência.
O estudo, com a orientação da psicóloga Ana Paula Porto Noronha e conduzido pelo psicólogo Damião Silva, que atualmente é doutorando em Ciência, Tecnologia e Inclusão, especialista em superdotação e desenvolvimento de talentos, mostra que estudantes do Ensino Fundamental apresentam indicadores significativamente mais altos de bem-estar subjetivo, autoestima e forças pessoais do que seus pares do Ensino Médio. As diferenças estatísticas (p < 0,05), com tamanhos de efeito entre pequenos e moderados, foram verificadas por meio do teste t de Student para amostras independentes.
“Há uma tendência de queda das caraterísticas positivas ligadas superdotação como curiosidade, criatividade, amor ao aprendizado e motivação conforme esses jovens avançam na escolarização especialmente na transição entre o ensino fundamental e ensino médio. Isso não significa que eles perdem suas potencialidades, mas sim que o ambiente ao redor deixa de ser fértil para que essas características floresçam”, explica Damião.
Entre os dados mais expressivos do levantamento, destacam-se as médias elevadas entre os mais jovens em dimensões como amor (M = 17,89), curiosidade (M = 17,75), criatividade (M = 16,61), vitalidade (M = 14,42) e satisfação com a vida (M = 32,03). Já no Ensino Médio, apesar do aumento em aspectos como pensamento crítico (M = 16,12) e sensatez (M = 16,00), houve queda significativa nos indicadores afetivos e de motivação intrínseca.
Essas mudanças não ocorrem por acaso. A adolescência é um momento de reestruturação emocional e identidade, e, para os superdotados, isso pode vir acompanhado de uma hipersensibilidade, um senso moral aguçado e uma busca intensa por sentido. “Quando o sistema escolar insiste em uma padronização curricular, sem abrir espaço para a expressão criativa e emocional desses alunos, eles podem vivenciar frustração e desengajamento. É o que chamamos de ‘apagamento das potencialidades’”, aponta o especialista.
Segundo Silva, o cenário exige uma mudança urgente de paradigma. “Estamos acostumados a ver a superdotação como uma vantagem, mas nos esquecemos que ela traz desafios específicos. Esses adolescentes são muitas vezes invisibilizados nos debates sobre saúde mental escolar, embora apresentem indicadores preocupantes de sofrimento emocional”, afirma.
A pesquisa também revela que a motivação dos estudantes superdotados se desloca ao longo da trajetória escolar, com aumento de comportamentos regulados extrinsecamente e por pressão interna (regulação introjetada), e redução da motivação intrínseca. “Isso mostra que eles vão, aos poucos, deixando de aprender por prazer e passam a estudar por cobrança, o que é um sinal de alerta”, explica o psicólogo.
Diante desse contexto, Silva defende a aplicação de estratégias fundamentadas na Psicologia Positiva, como as desenvolvidas por Martin Seligman e Christopher Peterson. “Precisamos recuperar forças pessoais como amor, vitalidade e curiosidade. Elas estão diretamente ligadas à satisfação com a vida e ao bem-estar subjetivo dos adolescentes com altas habilidades. Esse é um investimento não só na permanência escolar, mas na saúde mental e na realização pessoal desses jovens”, defende.
A pesquisa de Silva (2023) aprofunda esses achados e reforça que promover a autoestima, o autoconhecimento e o sentido existencial dos adolescentes superdotados é tão essencial quanto ofertar conteúdos desafiadores. “Não estamos falando apenas de desempenho acadêmico, mas de desenvolvimento humano pleno”, conclui.
Em um país onde os alunos com altas habilidades ainda enfrentam dificuldades de identificação, preconceitos e políticas públicas escassas, os dados apresentados representam um chamado à ação. Mais do que valorizar o QI elevado, é hora de criar ambientes escolares que acolham a subjetividade, incentivem a criatividade e respeitem o ritmo e as necessidades emocionais desses jovens extraordinários.
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