Cerca de 15% das crianças apresentam sintomas de ansiedade, frequentemente sem diagnóstico, e muitos adultos relatam início do problema na infância
Guilherme de Abreu* Publicado em 30/01/2025, às 06h00
Os transtornos relacionados à ansiedade são atualmente os diagnósticos psiquiátricos mais comuns. Os sintomas geralmente começam a se manifestar antes da vida adulta, o que torna este tema relevante para todas as idades. Há um componente genético, mas é a interação entre fatores ambientais e as características individuais, conhecida como epigenética, que mais influencia o surgimento desses transtornos.
De acordo com um estudo recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas pela ansiedade, com uma predominância entre as mulheres. No entanto, apenas 25% dessas pessoas recebem tratamento adequado. Embora esse número possa parecer pequeno, representando cerca de 4% da população global, é importante considerar que os sintomas frequentemente começam na infância ou adolescência.
Estima-se que aproximadamente 15% das crianças e adolescentes apresentem sintomas de ansiedade, a maioria sem diagnóstico, e que 70% dos adultos diagnosticados experimentaram o início dos sintomas ainda na infância. Além disso, pesquisas indicam que um terço das crianças diagnosticadas com transtornos de ansiedade também preenchem critérios para outros distúrbios, como depressão, Transtorno Desafiador-Opositivo (TDO/ODD) ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A presença de múltiplos diagnósticos pode resultar em sintomas mais variados e severos, além de aumentar a complexidade do tratamento.
O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é caracterizado por um padrão de ansiedade ou medo excessivo e difícil de controlar, que persiste por pelo menos seis meses e causa prejuízos à funcionalidade. As pessoas com esse transtorno podem apresentar sintomas relacionados a situações específicas, como falar em público, ou em relação a questões cotidianas. Outros sintomas comuns incluem:
Pessoas ansiosas frequentemente evitam situações que desencadeiam ansiedade. Como existe um componente genético e familiar envolvido, é comum que crianças ansiosas comecem a manifestar sintomas ao observar comportamentos ansiosos em adultos próximos. Assim, pais que sofrem de ansiedade podem encontrar dificuldades em reconhecer e lidar com os sintomas de ansiedade nos filhos. Em alguns casos, o comportamento ansioso dos pais pode, involuntariamente, reforçar a insegurança ou ansiedade das crianças. Isso pode ocorrer devido a fatores como incompatibilidade de temperamentos, controle excessivo ou pouca demonstração de afeto.
Entre as crianças, os sintomas de ansiedade podem se manifestar como preocupações excessivas com temas atuais, futuros ou até mesmo eventos passados, muitas vezes sem uma razão evidente. Os temas mais comuns estão relacionados ao desempenho acadêmico, vida social ou riscos físicos, como acidentes ou agressões. Crianças menores frequentemente demonstram ansiedade ao resistirem a dormir, especialmente quando sozinhas, ou ao evitarem se separar dos pais. Nos adolescentes, sintomas adicionais, como dores de cabeça ou problemas gastrointestinais, são mais comuns e podem coexistir com outros diagnósticos, como depressão.
Um excelente exemplo de como as emoções, incluindo a ansiedade, podem influenciar nossas vidas é retratado no filme de animação "Divertidamente 2". Esta obra oferece uma abordagem lúdica e instigante sobre o funcionamento das emoções no cérebro de uma criança. No filme, a ansiedade é personificada de forma a mostrar como ela pode causar desafios significativos no cotidiano, especialmente em momentos de transição e mudanças. A representação da ansiedade como uma parte integrante do espectro emocional ajuda a desmistificar o tema, permitindo que crianças e adultos compreendam e discutam suas próprias experiências emocionais de forma aberta e empática. Utilizar filmes em contextos educacionais ou familiares pode facilitar o diálogo sobre temas complexos, promovendo um entendimento mais profundo e uma maior aceitação das emoções como parte natural da experiência humana.
Do ponto de vista neurológico, os transtornos de ansiedade estão ligados a circuitos cerebrais e corporais de resposta ao perigo. Isso envolve a ativação de um sistema complexo de mensagens químicas, conhecido como Sistema Nervoso Simpático, que mantém o organismo em estado de alerta constante, mesmo que a causa seja relativamente simples e de origem psicológica. As principais estratégias para o manejo imediato dos sintomas incluem a ativação do Sistema Nervoso Parassimpático, que exerce uma ação oposta, promovendo um estado de tranquilidade no organismo.
Entre as principais estratégias para lidar com a ansiedade em crianças, a terapia cognitivo-comportamental se destaca como uma das abordagens mais eficazes. Essa forma de terapia concentra-se em reconhecer padrões de pensamentos negativos que levam ao estresse emocional e à ansiedade, e em reorganizá-los. Outros pilares das estratégias terapêuticas incluem:
Mesmo crianças maiores, com desenvolvimento emocional avançado e maior repertório linguístico, podem ter dificuldades em descrever seus sintomas de ansiedade e os sentimentos associados às crises. Por isso, é essencial auxiliar no processo de compreensão. Embora as preocupações possam parecer injustificadas e as crianças ansiosas busquem reafirmação constante como forma de apoio, é importante validar seus sentimentos, demonstrando um ambiente seguro para enfrentar os desafios que causam ansiedade. No entanto, os adultos devem mostrar que não concordam com reações exacerbadas, para não reforçar aspectos negativos. A educação dos pais é, portanto, uma ferramenta crucial para lidar com o diagnóstico de ansiedade em crianças.
*Guilherme de Abreu é médico, pediatra e neonatologista, graduado pela Universidade de São Paulo. Trago comigo mais de quinze anos de experiência clínica e em pesquisa, tendo sido treinado em instituições renomadas no Brasil e no exterior. Atua principalmente no cuidado pediátrico e de crianças com transtornos do desenvolvimento, com especialização na área de Desenvolvimento & Comportanneto Infantil em Cleveland - EUA.