Mariana Kotscho
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Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

O escritor Plínio Camillo desta vez traz um conto sobre mães e filhos pretos

Plínio Camillo* Publicado em 09/04/2024, às 16h00

Mãe carrega seu bebê - Foto: acervo da Biblioteca Nacional
Mãe carrega seu bebê - Foto: acervo da Biblioteca Nacional

Nenhum deles imagina o que uma mãe precisa fazer pelos seus! Ela ficou só atenta para o assoalho. Sujo. Grosso.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Tarsila não queria devolver os olhares. Os espias de ira de alguns, de raiva de outros. E os de nojo da maioria.

Não a abalavam. Dilacerava sim imaginar as suas crias sofrendo. Sofrendo sem ela. Dentro da casa, seriam negrinhos remelentos.

No terreiro, quase branquinhos azedos. Fariam o que no lugar dela?

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

O seu senhor iria vender ela. Tinha certeza! Já tinha ocupado. Usado. Cuspido o bagaço. Escarrou de vez quando trouxe outra negrinha, nova e com uma bunda grande, para tirar as suas botas.

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— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Filhos sem mãe padecem. Ela sabe. Ela viveu sem ninguém para escutar o seu choro. Para tirar seus piolhos. Para rir de seu olhar. Cresceu sozinha. Aprendendo lidar com os homens. Pretos. Brancos. Todos iguais. No aperto, resistir e levantar a saia. Fez e nasceu o Vitório, seu mais velho. Do Domingos Criolo, o feitor.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Depois o seu senhor pousou os olhos em seu gingado. Bem na hora que estava fazendo doce de leite. E ele quis, ela riu. Deixou sem desandar o doce. Ele a levou para dentro. De um quarto. Mandava na cozinha.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Não precisava de mais ninguém. Veio Libânia, Joana e João. Seus graciosos funfuns. Uma tarde, a do jiló grande chegou. Fez mandiga. Forte. Poderosa. E o olhar do seu senhor embaçou. Tarsila viu que ele iria se livrar dela!

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Filho ... a vida de fêmea aqui em terra de branco num é boa ... é muito doída e sofrida ... a gente tem os filhos ... ama um homem ... faz tudo pra ele ser feliz ... e o desgraçado troca a gente prucausa de uma... Filho a vida das meninas num era boa. Mas ocê é macho. Vai ficar forte e grande. Bonitão! Olha, nóis vai sair daqui. No mundão qualquer lugar é bão.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Filho, cê num vai mesmo? Que Oxalá lhe proteja

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Na beirada do rio, as meninas pedem uma história. O menor não se interessa e começa e brincar na água.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Olodumaré perguntou se Oxum ia participar dos encontros e os orixás homens disseram não. Não precisavam dela. E as outras orixás? Também não.

Oludumaré ficou quieto.

Com o esperado, em Orum, no Aiyê aqui e lá, nada mais se fez. Nada mais nasceu. Nada mais procriou. Nada. Nem morriam para descansar.

Os orixás começaram a ser esquecidos por todos. O que houve? Olodumaré explicou-lhes então que, sem a presença de Oxum e das outras ourixás, e do seu poder da fecundidade, nenhum dos sonhos poderia dar certo. Sozinhos ele só seriam lembrança e, com certeza, nem saudade.

Os orixás, em fila e com respeito, convidaram Oxum para participar de seus trabalhos, o que acabou por aceitar depois de muito lhe rogarem.

Fizeram para todas, com respeito e até admiração.

Em seguida, os mundos retomaram a fecundidade. Os sonhos se fez vivo.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

No riso das meninas, como pensou, cortou as cabeças delas, para o horror do mais novo

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Ele sobe em uma árvore tenta esconder. Ela repete o que havia dito para o mais velho, ele desce. Ela leva-o para a beira do rio e o afoga. Não chora. Não choram.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Pena que faltou coragem para se matar. Comeu terra. Babosa Capim. Só a barriga doeu.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Jogou no rio, mas não afundou. Fugiu até que o seu mais velho a encontrou. Tarsila explicou. Chorou. Apanhou do filho até desmaiar.

— Pois tu tiveste ânimo de matar teus filhos?

Teve sim! Eram filhos seus!

Quem é Plínio Camillo

plínio camillo
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Nascido em Ribeirão Preto em 26 de novembro de 1960, reside em SãoPaulo, capital, desde 1984, tendo vivido em Santo André, Piracicaba e Campinas. Escrevinhador. Ator, consultor literário,roteirista, diretor teatral, palestrante,consultor educacional, oficineiro, educador social.

Apresentador do programa do YouTube : Notas de Escurecimento

Alfarrábios (blog Literário): clique aqui

Livros publicados:

  • PRETOS EM CONTOS - Jovem – coletânea de contos (organização e participação) – Editora Mondru – no prelo
  • ORUN E O AIYE - CAROLINA E ABDIAS – coletânea de contos (organização e participação) – no prelo
  • ROSAS PARA MARIELLE. – coletânea de contos (organização e participação) – no prelo

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