A autoestima das pessoas brancas, construída sobre privilégios, sustenta o racismo que se esconde em elogios e boas intenções
Tatiane Santos* Publicado em 03/11/2025, às 06h00
O racismo no Brasil muitas vezes não chega gritando — ele sussurra. Vem disfarçado
de elogio, de piada, de boa intenção. Vem das pessoas brancas que se consideram
“desconstruídas”, mas ainda reproduzem violências sutis e estruturais. É o racismo das
entrelinhas.
Sempre há aquele discurso conhecido: “tenho um amigo preto”, “minha avó era negra”,
“minha funcionária é como da família”. Há também quem diga para uma pessoa preta
que ela é “diferente”, que tem “traços finos”, que “poderia ser branca”, ou que “tem alma de branco”. Tudo isso parece inofensivo, mas carrega a ideia de que o branco é o
padrão de beleza, bondade e humanidade.
O chamado racismo recreativo é talvez o mais comum. É aquele que se esconde nas
piadas, nos comentários em tom de brincadeira, nas comparações que tentam fazer rir,
mas que ferem. O fato de uma pessoa negra rir junto não significa que ela achou graça
— muitas vezes, é apenas uma estratégia de sobrevivência. Racismo é racismo. Seja
estrutural, recreativo, institucional ou “disfarçado de elogio”. A diferença está apenas na
forma, nunca na essência.
Há algo de curioso na autoestima das pessoas brancas: ela é tão elevada que permite
que digam e façam coisas que, se viessem de uma pessoa preta, seriam punidas ou
criminalizadas. E há ainda quem acredite na fantasia do “racismo reverso”, expressão
que por si só é um erro conceitual. O racismo é uma estrutura de poder — e no Brasil,
desde a colonização, essa estrutura é branca.
O país foi o último das Américas a abolir a escravização, e mesmo assim o fez sem
reparação. A “libertadora” princesa Isabel assinou uma falsa abolição, sem pensar no
que seria dos libertos. Assim, a desigualdade se perpetuou e se transformou em
herança social. O resultado está diante de nós: um país que ainda nega o racismo
enquanto o reproduz todos os dias.
Então, se você é uma pessoa branca e quer realmente ser antirracista, comece
reconhecendo o seu privilégio. Entenda que equidade não é o mesmo que igualdade.
Nós, pessoas pretas, não queremos o seu lugar. Queremos os mesmos direitos, o mesmo respeito e as mesmas oportunidades.
Aprenda sobre a história do povo preto, sobre como esse país foi construído por mãos
negras, e sobre como o racismo molda as relações até hoje. A educação antirracista
não é um tema para novembro — é uma urgência diária. É a base para uma sociedade
mais justa, consciente e equitativa. É por meio dela que as crianças podem conhecer a
verdadeira história: a que não começou com a invasão do Brasil, mas com os povos e
culturas que o ergueram e o sustentam até hoje.
E aí, leitor, quem é você na fila do racismo?
*Tatiane Santos é educadora e consultora antirracista
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