A cantora, agora em Oslo, compartilha sua experiência de vida e a conexão com suas raízes brasileiras através da música
Redação Publicado em 28/11/2025, às 06h00
A história de Tami Braga é um samba de uma nota só, mas essa nota é a resiliência. É a melodia de uma mulher que carrega o calor do Rio de Janeiro na voz e o destino nas mãos, cruzando oceanos para descobrir que sua casa é a música, não importa onde o palco esteja.
Nascida em Niterói e criada em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Tami teve uma infância humilde, embalada pelo afeto da avó, Zita, uma mulher negra que lhe transmitiu a força da ancestralidade. O amor pela música era hereditário, nutrido na loja de CDs onde sua mãe trabalhava. Foi ali que ela descobriu as vozes que moldaram sua alma artística: a sofisticação de Dionne Warwick e Ella Fitzgerald, a força de Nina Simone e Elis Regina, a raiz de Mariene de Castro, Leci Brandão e Clara Nunes. Esse caldeirão musical fervilhava dentro dela, encontrando sua primeira válvula de escape aos 13 anos, cantando e tocando piano na igreja, onde ficou até os 17.
A vida, no entanto, a levou por outros caminhos. Chegou a estudar e trabalhar na área do Direito, mas a paixão pela música era uma batida insistente no peito. Aos 20 anos, um convite da prima a levou ao Quilombo do Grotão, em Niterói, um lugar de resistência cultural. Foi sua primeira experiência cantando fora da igreja, uma roda de samba que mudou tudo. Foi ali que ela se apaixonou pela Lapa, pelo Rio e pela energia crua e pulsante da música ao vivo. Esse amor, ela jurou, perdura até hoje.
Aos 33 anos, Tami hoje mora em Oslo, Noruega, para onde se mudou em 2016, grávida de seu segundo filho, Nicolas. A chegada ao país nórdico foi um misto de encantamento com uma nova cultura e a sensação de estar um pouco perdida. O relacionamento com um norueguês a trouxe para aquelas terras frias, mas seu coração continuava batendo no calor carioca. O choque cultural veio em detalhes inesperados, como a recomendação de um médico norueguês para que seu filho tomasse menos banho.
Em 2020, veio um diagnóstico que fez muitas peças do quebra-cabeça de sua vida se encaixarem: Transtorno de Personalidade Borderline. "Eu me sentia diferente e não sabia o que era. O diagnóstico foi um alívio!", conta. A pandemia, paradoxalmente, foi seu momento de respirar. Foi quando, trancada em um país estrangeiro, ela entendeu que queria trabalhar com música. Foi o estalo.
Lançou a faixa "Europa", um presente de seu tio e colaborador, Alberto Araújo. A música foi bem recebida e marcou sua redescoberta. Tami se lançou como cantora independente, desbravando possibilidades. Colocou todo seu amor em divulgar seu trabalho e se conectar com o público através das redes sociais. Seu público inicial veio majoritariamente do Brasil, e a surpresa veio quando seus clipes, como "Europa" e "Deixa Chover", ultrapassaram dez mil visualizações. "Foi gratificante saber que as músicas tocaram as pessoas", lembra.
A maternidade, longe de ser um obstáculo, tornou-se seu combustível. Em 2022, já grávida de sua caçula, Maria, Tami subiu ao palco em Ibiza para tocar com ninguém menos que Robin Banerjee, o guitarrista da lendária Amy Winehouse. Sua filha mais nova, portanto, já estreou no palco ainda na barriga. "Tenho uma rede de apoio confiável, o que me possibilitou ser mãe e ainda sonhar com a música", reflete. Seu marido, Paul, e seus amigos da cena musical norueguesa são pilares essenciais. "Sendo Borderline, imagino que eu estaria muito mal sem ninguém me apoiando."
A terapia dialética comportamental tem sido sua aliada para lidar com a ansiedade, que reapareceu com força durante os preparativos para seu novo projeto. "Ninguém pode ficar sem psicoterapia, ela que me mantém viva. É importante demais", enfatiza.
Agora, Tami Braga vive um momento de renascimento artístico. De volta aos palcos há um ano, perdeu a conta de quantos shows já fez. O público norueguês fica encantado com a música brasileira, e ela finalmente se sente abraçada pela cena local. "Como dizem no Rio de Janeiro: tem que saber chegar. Agora, lido com pessoas que admiro muito, que me ensinam e ajudam na caminhada."
Seu grande cartão de visitas para o mundo é o novo single "Boemia", que será lançado em 21 de novembro. A canção, um presente de seu tio Alberto, é um samba-bossa que sintetiza sua saudade do Brasil e sua paixão pelo Rio. "Tem muito de mim nessa letra", confessa. Produzida por Tiago Xavier no Rio, a faixa ganhou tamborim e um gingado a mais, tornando-se "uma bossa com tempero". O clipe, dirigido por Jean Dinucci, é um tributo visual aos lugares que tocam sua alma: a Lapa, a Escadaria Selarón, o Arpoador.
"Boemia" é o prelúdio de seu próximo EP, "Abayomi", previsto para janeiro. Hoje, Tami se sente uma artista mais dona de sua obra, mais segura do que quer entregar ao mundo. E seu mundo, no futuro, tem um plano: voltar a morar no Brasil. "É o lugar que amo, que tem o sol, o calor das pessoas. Meu marido gosta muito do Brasil também. Temos conversado sobre isso."
Enquanto o sol do Rio não a aquece diariamente, Tami Braga segue iluminando o frio de Oslo com sua voz poderosa, cantando em português, a língua na qual se expressa de verdade. Ela é a prova viva de que é possível ser mãe, mulher, artista e desbravadora, mantendo as raízes bem firmes, não importa a geografia. Sua história é, acima de tudo, um canto de amor ao Brasil e um testemunho de que a música é a mais poderosa terapia e a mais bela forma de pertencimento.
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