Tratamento e pesquisa sobre endometriose ganham reforço na saúde pública

Alana e Ministério da Ciência assinam protocolo para fomentar pesquisa sobre o tema. SUS anunciou que irá disponibilizar duas novas opções de tratamento

Redação Publicado em 19/08/2025, às 08h00

Endometriose afeta uma em cada 10 mulheres no Brasil - pexels

A endometriose é uma doença inflamatória crônica que atinge uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva no país. Ainda assim, ela segue subdiagnosticada, invisibilizada e pouco compreendida. Hoje, o tempo médio até o diagnóstico ultrapassa sete anos, comprometendo a saúde, a vida escolar, profissional e reprodutiva de milhões de brasileiras. Mas o cenário começa a mudar. Nas últimas semanas, o tema ganhou protagonismo na esfera pública, com anúncios sobre tratamentos e novos estímulos à pesquisa sobre endometriose. 

O governo federal anunciou que o SUS (Sistema Único de Saúde) irá oferecer, ainda neste ano, mais duas opções de tratamento para a doença. Além disso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Alana, ecossistema de impacto socioambiental, firmaram um protocolo de intenções para impulsionar a produção científica e ampliar o debate sobre saúde menstrual e endometriose no país. 

 

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“A endometriose é uma das principais causas do absenteísmo e de dor pélvica entre as mulheres. Então, como este tema não será um dos carros-chefes das políticas públicas voltadas à saúde da mulher? O Brasil é um país de tamanho continental e a capacitação tem efeito [importante] para aprender a ouvir a paciente e melhorar os diagnósticos”, afirmou o Dr. Maurício Abrão, coordenador do setor de endometriose da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo. Ele participou de seminário sobre o tema na sede do MCTI, realizado por ocasião da assinatura do protocolo. 

O acordo entre a pasta e o Alana prevê uma série de frentes de colaboração entre ambos, incluindo o incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação para diagnóstico e tratamento da endometriose, além de ações para a articulação de políticas públicas de saúde relacionadas à saúde menstrual de mulheres e meninas – a estimativa é que, no Brasil, 2 milhões de jovens entre 10 e 19 anos tenham endometriose.

“Nossa missão é garantir os direitos das crianças e dos adolescentes — e isso inclui olhar com atenção para todas as barreiras que limitam seu desenvolvimento pleno. A endometriose é uma delas. Por isso, assumimos essa causa como prioridade. Falar sobre esse tema é enfrentar um desafio de saúde pública que há muito tempo vem sendo negligenciado. E reconhecer uma dor invisibilizada, que afeta profundamente a vida, os estudos, o trabalho e os sonhos de milhões de brasileiras”, disse Flavia Carvalho Doria, diretora-executiva do Alana.

“Ciência, pesquisa e inovação são ferramentas poderosas quando tratamos de temas tão relevantes como a saúde das mulheres”, completou Sérgio Cruz, secretário-executivo adjunto do MCTI. 

O Alana pretende atuar em três frentes principais: financiamento à pesquisa e à inovação, fortalecimento de políticas de atendimento especializado e campanhas de conscientização e combate ao estigma – com atenção especial a meninas e jovens de territórios vulneráveis, onde o acesso à saúde e ao diagnóstico é ainda mais limitado. 

Entre as adolescentes, a estimativa é que 49% sofrem com cólicas menstruais, um dos principais sintomas da endometriose – sendo que mais de 25 milhões de jovens brasileiras sofrem com sua forma mais severa. “Isso causa prejuízos no aprendizado e na qualidade de vida. Além disso, a cólica menstrual severa aumenta o risco de dor crônica geral, como enxaqueca”, disse o Dr. OméroPoli-Neto, professor associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP, durante o seminário.

Ainda segundo os especialistas, mesmo que os principais sintomas da doença sejam conhecidos, a endometriose é multifacetada e pode se manifestar de diferentes maneiras. Assim, o tratamento deve ser multidisciplinar e individualizado. Para isso, é necessário aprofundar os conhecimentos sobre a doença, que ainda é pouco estudada não só no Brasil, mas em todo mundo.

“É preciso mapear a jornada da paciente com endometriose, acompanhando a menina desde o início da vida menstrual até a menopausa. Precisamos conhecer o momento de vida, os sintomas e os impactos na fertilidade. São fatores que afetam a vida escolar, relacionamentos e a tomada de decisões profissionais, mas que são deixados de lado”, afirmou a Dra. Márcia Mendonça Carneiro, professora titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG.

Presidente da Sociedade Brasileira de Endometriose, a Dra. Helizabet Ayroza Ribeiro reforçou que a falta de conscientização entre a população e os profissionais da saúde sobre a saúde menstrual faz com que o tema ainda seja um tabu. “Precisamos de um olhar especial na base. Ou valorizamos as meninas que dizem que não conseguem ir à escola [em razão da dor] e paramos de classificar essas queixas como frescura, ou nunca vamos diminuir o atraso no diagnóstico de endometriose”, disse.

Novos tratamentos

O SUS oferecerá dois novos tratamentos para a doença até o fim de 2025. O primeiro é o DIU-LNG (Dispositivo Intrauterino Liberador de Levonogestrel), que suprime o crescimento do tecido endometrial fora do útero. Ele será uma alternativa para pacientes para quem os contraceptivos orais combinados não são indicados. 

Já o desogestrel é um anticoncepcional hormonal que atua, principalmente, na inibição da ovulação. Por bloquear a atividade hormonal, pode ajudar a melhorar a dor e desacelerar a progressão da doença. As portarias determinando o fornecimento desses medicamentos foram publicadas em 29 e 30 de maio, e o SUS tem até 180 dias para disponibilizá-los para tratamento gratuito.  

Também neste mês, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante acesso integral e gratuito ao diagnóstico, a medicamentos, tratamentos e acompanhamento médico para pessoas com endometriose, garantindo atendimento prioritário, urgente e qualificado. 

Na prática, as pacientes teriam acesso privilegiado a ginecologistas, exames e procedimentos destinados ao diagnóstico e ao tratamento da doença. Agora, o texto segue para análise da Câmara dos Deputados.

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