Violência sexual é a predominante com 375 casos; maioria dos episódios de maus-tratos acontece na residência da própria criança
Redação Publicado em 09/05/2023, às 10h00
Trazida pela mãe, uma menina de menos de 6 anos de idade chega à unidade de pronto-atendimento pediátrica por conta de suspeita de estupro. A narrativa infelizmente é comum no maior hospital exclusivamente pediátrico do Brasil, o Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR). Todos os anos, a instituição recebe crianças e adolescentes vítimas de vários tipos de violência: sexual, física, psicológica, negligência ou autolesão. Em 2022, foram 652 atendimentos -- um crescimento de 5,5% em relação aos dados de 2021. A criança mais nova atendida por negligência foi um bebê de apenas 17 dias.
A pouca idade das crianças atendidas no Hospital é um dos dados alarmantes de 2022: 63% delas estavam na primeira infância, ou seja, tinham até 6 anos. Nos casos de violência sexual, que mais uma vez foi a predominante, com 375 dos atendimentos realizados, 69% das vítimas estavam nessa mesma faixa etária. Outro dado que se repetiu em relação a esse tipo de violência é o sexo da criança. A maioria era menina: 79% do total. Além disso, o lugar onde as vítimas mais sofrem o abuso sexual é dentro da própria casa. Entre os casos registrados em 2022, 185 aconteceram na residência da vítima. Ainda em relação à violência sexual, mais de 90% dos agressores eram do sexo masculino, e o pai era apontado como o principal suspeito.
“Historicamente, em cerca de 80% dos casos de violência, o agressor é alguém do próprio núcleo familiar ou conhecido da família. Ele, normalmente, se aproveita dos vínculos de confiança estabelecidos com a vítima, além do conhecimento da rotina e dos hábitos, para praticar a violência e ficar mais distante da suspeita de tal ato pelos responsáveis. Por isso, é importante observar mudanças no comportamento da criança e adolescente”, analisa a psicóloga Daniela Prestes, do Pequeno Príncipe.
Em segundo lugar nesse trágico ranking está a negligência, quando a atitude de pais ou responsáveis expõe a criança ou adolescente a algum risco. Foram atendidos no Pequeno Príncipe, no ano passado, 130 casos envolvendo esse tipo de violação a direitos básicos do público infantojuvenil. Em situações extremas, quando o risco à vida de uma criança ou adolescente é evidente, o último recurso utilizado para protegê-los é o encaminhamento para abrigamento. Pela primeira vez, o Hospital Pequeno Príncipe registrou cinco solicitações desse gênero. Um triste recorde.
Segundo o Comitê das Nações Unidas sobre o Direito da Criança, os primeiros anos de vida são a base para o desenvolvimento de uma pessoa, e o estresse na primeira infância, incluindo a exposição à violência, coloca em risco a saúde e a educação dela. Essas situações trazem consequências mentais e fisiológicas negativas em longo prazo e podem causar mudanças permanentes no cérebro. A aquisição da linguagem, o funcionamento cognitivo e o autocontrole podem ser afetados, por exemplo. Além disso, também pela pouca idade, a criança não consegue identificar o que é violência, defender-se dessas situações ou pedir ajuda, pela pouca maturidade e discernimento.
Estar atento aos sinais da negligência e das violências sexual, física e psicológica é fundamental para a proteção das crianças e dos adolescentes. Entre eles estão choro excessivo; hematomas em várias partes do corpo e de diferentes colorações; fraturas próximas das articulações, em costelas ou de crânio; desnutrição; aspecto de má higiene; excesso ou falta de apetite; medo exagerado; agressividade e irritação.
A denúncia, com possibilidade ser anônima, pode ser a única chance para muitas crianças e adolescentes serem salvos. De qualquer lugar do Brasil é possível ligar para Disque 100 e relatar qualquer suspeita. A ligação é gratuita. “Muita gente acha que os pais são ‘donos’ da criança. Mas isso não é verdade. É responsabilidade de toda a sociedade proteger essas crianças e adolescentes”, lembra a psicóloga.
Desde 2006, o Pequeno Príncipe promove a Campanha Pra Toda Vida - A Violência não Pode Marcar o Futuro das Crianças, para dar visibilidade às ações de combate à violência promovidas na instituição. Por meio de manuais e palestras educativas voltadas a profissionais de saúde e da educação, livros sobre autoproteção direcionados ao público infantojuvenil, e mobilização da comunidade por meio de vídeos, posts em redes sociais, divulgação na imprensa e apoio de influenciadores digitais desde 2019, a campanha busca dar destaque ao tema, seja ajudando os profissionais a identificar os sinais de violência, seja incentivando as pessoas a fazer denúncias.
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