Mulheres chefes de família: desafios, micromachismos e a busca pelo equilíbrio

Micromachismos disfarçados de 'ajuda' minam a autonomia das mulheres, reforçando desigualdades na divisão de responsabilidades dentro do lar

Luciana Pavan* Publicado em 22/08/2025, às 06h00

Quebrar tabus e ser líder de um lar é um ato de resistência - pexels

Houve uma época em que, logo após ouvirmos a expressão “chefe de família”, a imagem que automaticamente vinha à mente era a de um pai, geralmente sentado à cabeceira da mesa, no melhor estilo “comercial de margarina” - e com a esposa servindo, ao lado dos filhos. 

Aparentemente, isso tende a mudar (tomara!). Há pouco, vi no Fantástico que mais da metade dos lares brasileiros - 52%, segundo o IBGE - são liderados financeiramente por mulheres. Trocando esse percentual por números, isso significa 41 milhões de famílias em que elas estão à frente das decisões econômicas. 

Mas as transformações não costumam ser tão fáceis, infelizmente. Essa realidade de maior protagonismo feminino convive com invisibilidade, desigualdade e tabus que insistem em se manter.

Existe um silêncio incômodo quando o assunto é renda e gênero. Ele nasce do machismo estrutural, que ainda sustenta a ideia de que o homem deve ser o provedor e a mulher, dependente. Aceitar que ela possa trabalhar, ganhar mais ou até sustentar toda a casa ainda é um desafio para parte da sociedade.

O próprio termo “chefe de família” revela como a linguagem carrega a marca do patriarcado. Embora possamos dizer “a chefe”, o uso comum do masculino reforça a imagem da liderança como algo masculino e, portanto, menos natural quando exercida por mulheres. Embora a língua espanhola flexione esse substantivo para “jefa”, o mesmo não ocorre em português ou em inglês - que tem mudanças em cargos como garçom/garçonete (waiter/waitress), entre outros exemplos. 

Impactos emocionais e financeiros

A falta de reconhecimento de parceiros, familiares e até colegas de trabalho afeta diretamente a autoestima e a saúde mental das mulheres chefes de família. Isso pode comprometer a carreira, a vida pessoal e até levar ao fim de relacionamentos.

Liderar um lar de forma saudável, financeiramente e emocionalmente, significa equilibrar orçamento, desejos e poupança. Na maioria das vezes, essa posição vem pela necessidade: criar os filhos, sobreviver, manter a casa. Com o tempo, muitas mulheres encontram o ponto de equilíbrio, mas o processo costuma ser longo e desafiador.

Essa jornada se torna ainda mais dura para quem recebe menos, enfrenta desigualdade racial ou não concluiu os estudos. Quanto menor a renda, mais difícil é equilibrar as necessidades e os desejos da família.

Micromachismos que corroem a autonomia

Nem sempre o machismo se apresenta de forma explícita. Muitas vezes, ele se disfarça de “ajuda” ou “preocupação”, aparecendo na divisão desigual do trabalho doméstico, na ideia de que o homem “ajuda” em vez de compartilhar responsabilidades, na interrupção constante da fala da mulher, na cobrança para que ela seja a “mãe perfeita” ou até na necessidade de pedir permissão para fazer compras e na fiscalização de seus gastos. Esses pequenos gestos têm um grande efeito: minam a autonomia e reforçam a desigualdade dentro do próprio lar.

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Para as líderes de lar: sem culpa, com consciência

Às mulheres que sustentam a casa e ainda se sentem sobrecarregadas ou culpadas, meu conselho é claro: não se deve carregar culpa. É importante lembrar que tais posturas são verdadeiras inspirações para futuras gerações. 

Buscar apoio é fundamental. A mentoria financeira e o autoconhecimento ajudam a enxergar o todo, definir objetivos e entender o papel de cada integrante da família para atingi-los. Quando todos compreendem e compartilham responsabilidades, as relações se tornam mais saudáveis, inclusive, a relação com o dinheiro.

Quebrar tabus é um ato de liderança

Ser mulher e líder de um lar é mais do que um papel financeiro: é um ato de resistência e de transformação. É mostrar, na prática, que cuidado, estratégia e independência podem - e devem - caminhar juntos.

Que possamos falar sobre isso cada vez mais, para que o silêncio e os tabus cedam lugar ao reconhecimento e à equidade.

 

*Luciana Pavan é educadora financeira e fundadora do 90 Segundos de Finanças

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres

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