Reflexões sobre a maternidade numa época em que as crianças são informadas pela internet e uma mãe pode até ser cancelada
Larissa Fonseca* Publicado em 19/04/2025, às 06h00
Outro dia, meu filho de 8 anos virou pra mim com a seriedade de um executivo da geração Alpha e disse: “Mãe, eu preciso de um tempo.”
Quase larguei o café. Pensei: "Gente, será que a gente terminou e eu não fui avisada?"
Na minha cabeça, tempo era o que eu implorava pra ele me dar enquanto eu tomava banho sozinha ou tentava responder um e-mail. Mas não. Era ele quem precisava de tempo… de mim. "Pra pensar", ele disse. Porque eu não deixei ele jogar três horas seguidas de Minecraft. Ofensa gravíssima, um verdadeiro atentado aos direitos infantis, segundo a Constituição do Reino da Infância Mimada. Para nós, adultos, algo equivalente a cortar Wi-Fi no meio de uma reunião do Zoom. Respirei fundo, contei até dez e até pensei em responder com o mesmo tom calmo que uso quando estou prestes a perder a cabeça. Mas optei pelo silêncio momentâneo.
A maternidade hoje é um jogo de cintura entre entender o mundo dos nossos filhos e lembrá-los de que ainda somos os adultos da relação. E que amor não é dizer sim pra tudo. Amor também é ensinar limites, mesmo quando eles nos olham com cara de "você vai ser cancelada".
Ser mãe em 2025 é viver numa constante DR com pequenos seres que, algumas vezes, têm argumentos até melhores que os nossos e vocabulário de TikTok (apesar de que por aqui, eles não têm acesso). Eles estão “antenados”, informados, e sabem mais sobre “ansiedade parental” do que a gente. Outro dia meu filho mais velho falou: “Mãe, isso que você está fazendo é "parenting intensivo", sabia? Olhei pra ele, abri o Google disfarçadamente, e descobri que "parenting intensivo" é quando você tenta controlar todos os aspectos da vida da criança, achando que tá ajudando. Basicamente: ser mãe.
Vivemos tempos em que as crianças aprendem palavras como "limite", "autonomia" e "gaslighting" antes de saberem fazer um miojo. Isso pode ser maravilhoso, desde que não virem armas para manipular os pais. Porque uma coisa é incentivar o diálogo, outra é deixar a casa virar terra sem lei porque a criança "precisa se expressar". Pode se expressar, claro, mas com respeito e limite.
Devemos guiar, acolher, e lembrar que dizer "não" com amor ainda é um dos maiores atos de cuidado. E aí a gente tenta equilibrar. Ser firme, mas acolhedora, presente, mas não sufocante, estimular, mas não sobrecarregar. Um olho no filho e outro em nós mesmas. Porque, sim, a gente também está tentando curar as nossas criancices enquanto cria uma criança que um dia, com sorte, não precisará de 20 anos de análise pra lidar com a infância.
No fim, ele não teve o "tempo" que queria, mas ganhou algo melhor: um passeio comigo, sem tela, sem chantagem emocional e com direito a sorvete (porque mãe firme também é mãe legal).
Conversamos, rimos, e intergaimos de verdade vi o quanto ele ficou feliz e se desligou do vídeo game. Me senti orgulhosa. Por uns três minutos, pelo menos. E eu aceitei aquele momento como o troféu máximo da maternidade moderna.
Resumindo, ser mãe hoje é isso: negociar tratados de paz emocionais, rir do caos e lembrar todos os dias que, no meio de tanta teoria, o que mais funciona ainda é o tal do amor.
Com ou sem Wi-Fi.
*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres
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