Entenda como a pressão por notas nas recuperações pode afetar alunos e famílias e como lidar com isso de forma mais calma e acolhedora.
Larissa Fonseca* Publicado em 19/12/2025, às 06h00
Chega o final do semestre letivo e, junto com os boletins, vem também uma avalanche de emoções como a ansiedade dos alunos, preocupação das famílias, pressão por notas, conversas com professores, pedidos de revisão e, muitas vezes, o fantasma da recuperação. É um período intenso, que mobiliza todos e que, por isso mesmo, merece ser olhado com mais calma e menos julgamento.
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que avaliação não é sentença. Uma nota baixa não define quem o estudante é, nem determina suas capacidades para o futuro. Avaliações mostram um recorte, uma fotografia de um momento, impactada por fatores emocionais, cognitivos, sociais e até familiares. E, apesar de muitos adultos esquecerem, crianças e adolescentes também têm fases, distrações, inseguranças, cansaço e dificuldades que fazem parte do processo de aprendizagem.
A recuperação não é punição é oportunidade. Oportunidade de retomar aquilo que ainda não conseguiu atingir com segurança. Oportunidade de reforçar conteúdos que ficaram frágeis e que, mais tarde, fariam falta. Oportunidade de aprender de um jeito diferente, com mais tempo, mais foco e mais clareza. Oportunidade de perceber que o esforço precisa começar antes, para que no próximo semestre não seja necessário passar por essa etapa novamente. Oportunidade de desenvolver responsabilidade, aprender a se organizar e reconhecer que cada escolha tem um impacto. Oportunidade de ganhar confiança, porque muitos estudantes só descobrem que são capazes quando revisitam o conteúdo com mais calma. Oportunidade de crescer emocionalmente, entendendo que errar faz parte e que tentar de novo é tão importante quanto acertar. Oportunidade de seguir em frente, sem rótulos, sem vergonha, apenas com aprendizado real.
Quando uma nota baixa chega em casa, muitos responsáveis entram imediatamente em um estado de urgência. Buscam respostas rápidas, querem entender o que “deu errado”, comparam o desempenho do filho com o de outros alunos e, em alguns casos, direcionam críticas à escola antes mesmo de ouvir a própria criança. Essa reação, apesar de comum, pouco contribui para o processo educativo. Na prática, o que realmente favorece o estudante é uma postura mais calma, centrada e acolhedora.
Em vez de focar apenas na nota, é essencial perguntar primeiro como o estudante está, emocionalmente e cognitivamente. As notas são um retrato de desempenho, não um retrato da criança. Escutar sem julgamentos permite entender o que aconteceu de fato, se houve dificuldade de conteúdo, desorganização na rotina, ansiedade, falta de atenção ou até fatores externos que interferiram no momento da avaliação.
O suporte familiar também envolve ajudar a organizar uma rotina de estudos equilibrada, suficiente para a recuperação, mas sem transformar a casa em um espaço de chantagens e tensão. Agressividade, ameaças ou pressões intensas raramente geram aprendizagem, ao contrário, tendem a aumentar o estresse e bloquear ainda mais o desempenho. A recuperação deveria ser compreendida como um processo de amadurecimento, uma etapa legítima e necessária para reforçar aprendizagens, e jamais como um rótulo de incapacidade.
E, depois de tudo… chegam as férias. Encerrada a etapa de avaliações e eventuais recuperações, chegam as férias, um período que muitas vezes é visto apenas como descanso ou lazer, mas que, pedagogicamente, cumpre um papel muito mais profundo. Após um semestre intenso, repleto de tarefas, demandas emocionais, provas, compromissos e desafios específicos de cada fase da infância e adolescência, descansar torna-se uma necessidade fisiológica, emocional e cognitiva.
É nesse período que o cérebro reorganiza memórias, consolida aprendizagens e recupera energia para que o próximo ciclo tenha início com mais disposição. Assim como um músculo não se fortalece sem pausas entre os treinos, a mente também precisa desse intervalo para crescer. Por esse motivo, as férias não devem ser preenchidas com mais cobranças acadêmicas, reforços intermináveis ou listas de conteúdos. O descanso é uma parte fundamental da aprendizagem e não um luxo opcional.
As férias existem para permitir que as crianças brinquem, durmam, vivenciem o tédio criativo, convivam com a família, explorem novos ambientes e construam experiências afetivas que também educam (e muito). A verdade é que um estudante cansado até realiza tarefas, mas não consegue aprender profundamente. O descanso restaura aquilo que o semestre desgasta.
O ciclo saudável da educação. O semestre letivo tem um ciclo próprio. Encerrá-lo é fechar um capítulo, não emitir um julgamento definitivo. Passar por recuperação é reescrever uma parte da própria trajetória escolar, não retroceder. E viver as férias é respirar, reorganizar-se e criar espaço para um novo começo, não desperdiçar tempo.
A escola cumpre sua função pedagógica, os professores acompanham o percurso e os estudantes se dedicam dentro das possibilidades de cada fase.
O que determina se esse período será vivido com leveza ou com peso emocional excessivo é, principalmente, a postura dos adultos ao redor das crianças e adolescentes.
Ao final do semestre, o mais importante é que o estudante compreenda que pode melhorar, que tem permissão para pedir ajuda, que é capaz de recomeçar e que o descanso é necessário, mas que venha acompanhado de dedicação e responsabilidade. E, acima de tudo, que ele nunca está sozinho nesse processo. Porque a educação não se constrói por meio de pressão exagerada, mas por meio de continuidade, cuidado e humanidade.
*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.
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