No colo de Camilo

Está no colo de Camilo colocar a Educação Especial dos estudantes autistas do Brasil alinhada com os países mais desenvolvidos

Lucelmo Lacerda* e Flavia Marçal** Publicado em 02/04/2024, às 06h00

Flavia Marçal -

O Ministro da Educação, Camilo Santana, está envolto em muitas discussões atuais. A de maior repercussão pública são os embates em torno do novo Ensino Médio, mas nas entranhas pedagógicas da nação, o maior debate, de fato, acontece sobre o chamado Parecer do Autismo, que foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação em dezembro de 2023 e se propõe a oferecer orientações específicas para o público da educação especial: atendimento de estudantes com transtorno do espectro autista. O parecer agora está em apreciação por parte do Ministro, que deve decidir se homologa ou pede reexame do documento.

O documento é o produto do trabalho de descrever não somente qual é o direito dos autistas na educação inclusiva, mas como, na prática, esses direitos devem ser implementados, resolvendo arestas e apontando caminhos para os gestores que de fato querem fazer uma educação inclusiva de qualidade quanto para os usuários, familiares e estudantes, que eventualmente precisam lutar por seus direitos.

Os pontos principais do documento são: a) apontar a necessidade de elaboração do Plano Educacional Individualizado – PEI para os estudantes autistas, reconhecendo suas necessidades e potencialidades individuais, além de descrever os parâmetros de qualidade de sua elaboração; b) apontar a necessidade e a maneira de realizar a participação das famílias e do próprio estudante na elaboração e implementação do PEI, o que resguarda a família e a escola; e c) apontar que as estratégias de apoio elaboradas no PEI devem se pautar em Práticas Baseadas em Evidências - PBEs científicas e não em achismos ou modismos.

Esses elementos que aparecem no Parecer do Autismo estão em linha com as melhores práticas em ação no mundo hoje e se filiam a uma corrente de pensamento no interior da pesquisa em Educação Especial, denominada de Educação Inclusiva, que defende um continuum de apoios aos estudantes com deficiência, em oposição ao grupo à corrente chamada de Inclusão Total, que defende que não pode haver apoios diferenciados na escola, que a instituição escolar deve ser reinventada para haver uma aula para todos, única, sem exceções, que atenda a toda a diversidade humana.

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Os opositores e as divergências abrem um cenário de polêmica, em que dois pontos fundamentais foram levantados em contradição com o texto aprovado, pelos principais representantes da Inclusão Total a divergência, portanto, é:

a) a defesa de que não se deve haver PEI;

b) a defesa de que não pode haver um profissional de apoio [a respeito do direito a um acompanhante especializado, previsto na Lei Federal 12.764/12 e reforçado e descrito no Parecer do Autismo].

O tema chegou às redes sociais e a foto publicada pelo Ministro Camilo Santana, da reunião dos apoiadores do Parecer do Autismo chegou a mais de 50 mil comentários, a mais comentada de toda a rede do Ministro, ao mesmo tempo que a petição de apoio recebeu 37 mil assinaturas de pessoas físicas e mais de 2.600 associações de defesa das pessoas com deficiência.

De fato, o parecer já foi aprovado pelo plenário do Conselho Nacional da Educação – CNE, por unanimidade, como fruto de um trabalho de cerca de 6 anos, com consulta a mais de 80 pesquisadores, com redação final com apoio de uma comissão com 10 pesquisadores, com presença de pessoas com deficiência (autismo e surdez) pais de autistas, pesquisadores de todas as 5 regiões do país e oitiva da sociedade civil. Tudo isso dá força ao parecer como expressão do pensamento do CNE, mas a homologação por parte do Ministério da Educação é um ato de ratificação que pode fazer subir de patamar o valor representativo do documento.

Está no colo de Camilo colocar a Educação Especial dos estudantes autistas do Brasil alinhada com os países mais desenvolvidos e com as práticas baseadas em evidências científicas e nada menos se espera daquele que, como governador, já foi reconhecido como um grande incentivador da educação em geral. Além disso, o mês de abril, reconhecido como o mês do autismo está começando e é uma ótima oportunidade para uma boa notícia para essas famílias.

*Lucelmo Lacerda é Professor, Doutor em Educação pela PUC-SP, com pós-doutoramento no Departamento de Psicologia da UFSCar. É pesquisador em Autismo e Educação Inclusiva, autor de diversos livros, entre eles “Transtorno do Espectro Autista: uma brevíssima introdução” e “Crítica à Pseudociência em Educação Especial: trilhas de uma educação inclusiva baseada em evidências”.
 
**Flavia Marçal é Advogada, Doutora em Ciências Sociais e Professora da Universidade Federal Rural da Amazonia
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