De 5% a 10% dos fetos expostos ao álcool durante a gestação apresentarão prejuízos em seu desenvolvimento
Helenilce de Paula Fiod Costa* Publicado em 29/03/2023, às 06h00
Atualmente admite-se que o álcool constitui a principal causa de retardo mental e de anomalias congênitas não hereditárias nos Estados Unidos e que entre 5% e 10% dos fetos expostos ao álcool durante a vida intrauterina apresentarão anormalidades do desenvolvimento relacionadas a essa substância.
No Canadá, relatos do Maternal and Child Health referem que aproximadamente 14% das gestantes ingeriram álcool na gestação e os distúrbios dos efeitos do álcool no feto estavam presentes em 10 crianças por cada mil nascidos vivos e destas uma apresentou a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF).
No Brasil não há dados do Ministério da Saúde, mas estimativas do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (INPAD), da Universidade Federal de São Paulo, apontam que o consumo de álcool em mulheres aumentou 50% em 10 anos.
De todas as substâncias de abuso (incluindo cocaína, heroína e maconha), o álcool é a droga que produz os efeitos neurológicos e comportamentais mais graves no feto, sendo o agente causal mais comum de defeitos na estrutura e função do organismo fetal, tendo se tornado um problema de saúde pública.
Independentemente da sua concentração, o álcool é absorvido inicialmente pela mucosa oral e, a seguir, pelo estômago (20%) e intestino delgado (80%) da gestante, atingindo a corrente sanguínea em 60 minutos. Em 60 a 90 minutos está na circulação fetal.
É necessário assinalar que o organismo da mulher absorve o álcool mais rápido que o do homem por ter maior proporção de gordura corpórea (+11%), menor quantidade de água (–20%) e menor atividade da enzima álcool-desidrogenase, como consequência há maior concentração de álcool sanguínea para a mesma quantidade de álcool ingerida.
Múltiplos fatores podem ser responsáveis pelos efeitos do álcool no feto: dose, modo de exposição (se sob a forma de ingestão aguda, “bebedeira” ou de forma crônica), época da gestação, nutrição e saúde materna, uso de outras drogas e/ou fumo e predisposição genética.
Estudos comparando gestantes consumidoras de álcool e aquelas que não consomem verificaram que o uso no primeiro trimestre de gestação implica em risco 12 vezes maior de acometimento fetal e abortamento. Se a gestante continuar a ingerir bebidas alcoólicas no primeiro e no segundo trimestre da gestação, podemos ter alterações nas células e órgãos e o risco de malformações se eleva 61 vezes; e se o consumo ocorrer durante toda a gestação, o risco é de 65 vezes, maior sendo o sistema nervoso central com microcefalia ou alterações do tamanho do cérebro, o sistema cardíaco e renal os mais frequentes. O crescimento fetal é muito comprometido, resultando em baixo peso ao nascer.
O álcool exerce no feto ações que atingem todos os seus órgãos por modo direto,alterando a função, multiplicação e migração das células resultando em malformações do sistema nervoso, cardíacas, faciais e renais, entre outras, e também por uma ação indireta interferindo no apetite da gestante o que pode levar à má nutrição tendo como consequência dificuldade na passagem de oxigênio (sofrimento fetal) e nutrientes (desnutrição) para o feto.
No entanto, nem todas as crianças que estiveram expostas ao álcool na gestação são igualmente afetadas. Enquanto algumas crianças têm grandes deficiências, outras são poupadas. Esta vulnerabilidade desigual é provavelmente decorrente das diferenças na genética materna e fetal.
O termo em inglês Fetal Alcohol Spectrum Disorders (FASD) engloba alterações físicas, mentais, de desenvolvimento e cognitivas as quais podem ocorrer em indivíduos que estiveram expostos ao álcool na gestação. A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é apenas a ponta do iceberg. O FASD inclui ainda a SAF parcial, a ARND - as alterações do neurodesenvolvimento relacionadas ao álcool e o ARBD - os defeitos congênitos relacionados ao álcool.
A quantidade de álcool lesiva ao desenvolvimento do feto não é conhecida! Não existe um nível seguro abaixo do qual não ocorre os efeitos do álcool no feto, por isso a recomendação é a abstinência total de álcool durante a gestação.
*Helenilce de Paula Fiod Costa é Médica Pediatra com área de atuação em Neonatologia e Nutrologia Pediátrica, Mestre em Pediatria pela UNIFESP e PNúcleo de Estudos dos Efeitos do Álcool na Gestante, Feto e Recém-nascido da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
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