Rachel de Queiroz no desafio dos vestibulares

Rachel de Queiroz, uma voz poderosa da literatura do século 20, e seu impacto na formação crítica dos vestibulandos

Roberta Alves* Publicado em 10/12/2025, às 06h00

A escritora Rachel de Queiroz dá entrevista para a jornalista Mariana Kotscho, em 1999 para a Globonews. Local: Fazenda Não de Deixes, Quixadá, CE - Foto: Fabiano Moreira

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Que Rachel de Queiroz ocupa lugar de destaque entre os grandes nomes da literatura do século 20, ninguém duvida. Mas, para os estudantes que se preparam para os vestibulares de 2026 e 2027, como a Fuvest, a autora cearense ganha ainda mais relevância. Seu romance “Caminho de Pedras” está na lista obrigatória de leituras e carrega um peso histórico, uma vez que foi escrito em meio à repressão do governo Getúlio Vargas, em 1935, ano em que Rachel foi presa por três meses.

A obra é a expressão de um socialismo libertário que raramente voltaria a aparecer em sua produção literária, refletindo os dilemas daquele período, como a perseguição da Era Vargas a organizações trabalhistas, a violência estatal e o moralismo, especialmente em relação ao papel das mulheres na sociedade.

Mais do que uma denúncia, Caminho de Pedras representa um ponto de virada na trajetória de Rachel de Queiroz. É uma narrativa de emancipação, em que a autora ousa criticar abertamente os rumos do partido comunista, sem perder a delicadeza ao retratar as lutas de Noemi, sua protagonista. Mesmo diante de frustrações e obstáculos, a personagem segue movida pela esperança de transformação social. Ao mesmo tempo, o romance reafirma a identidade nordestina da escritora, presente no cenário, na linguagem e no olhar narrativo, tudo entrelaçado a uma reflexão intensa sobre o universo feminino.

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Rachel, que atuava como jornalista desde 1927 sob o pseudônimo de Rita de Queluz, desponta como uma autora diferenciada quando publica, em 1930, com apenas 20 anos, a obra O quinze. Esse romance árido sobre a tragédia da seca chegou a levantar suspeitas sobre sua autoria: seria mesmo obra de autora mulher? Com um estilo direto e seco, avesso a excessos e sentimentalismos, Rachel iniciou sua trajetória literária rompendo barreiras e desafiando estereótipos.

Em seus romances, o fim nunca é estático, ocorre sempre em trânsito, seja ele um deslocamento, uma busca. São histórias em que as mulheres enfrentam desafios e lutam por espaços de pertencimento. Mesmo quando há desilusão, a resistência se mantém viva, acompanhada por uma perspectiva inovadora sobre a atuação feminina.

Essa atenção ao cotidiano também marca sua prosa. Como em outras obras da autora, Caminho de Pedras acompanha o parco, o pouco, o periférico, como os trabalhadores da periferia de Fortaleza, que sobrevivem com quase nada.

O romance mergulha, ainda, nas questões de gênero, nas lutas sociais, na miséria e na política das classes operárias. Para retratar esse período de intensa efervescência política, em que grupos operários resistiram mesmo sob perseguições, Rachel adota uma abordagem engajada, com a novidade de uma protagonista que rompe com o estereótipo da dona de casa da primeira metade do século XX.

De algum modo, ainda em 1937, a obra alerta para a urgência de garantir que direitos e estruturas sociais sejam capazes de acolher os que vivem do próprio trabalho. E, nesse sentido, permanece atual, mesmo passadas quase nove décadas de sua publicação.

Para os vestibulandos de hoje, ler “Caminho de Pedras” é mais do que cumprir uma exigência acadêmica, mas um convite a compreender o Brasil por meio da literatura e, com isso, preparar-se de forma mais crítica e sensível para os desafios do presente.

* Roberta Alves é Doutora e mestre em Letras e Literatura Brasileira pela USP e assessora de Língua Portuguesa do 3º ano do Ensino Médio da Escola Gracinha

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