O relatório do MEC e a tragédia em Sobral revelam que tornar a escola segura é uma urgência coletiva de famílias, educadores e governo
Carol Campos* Publicado em 30/09/2025, às 06h00
No início de setembro, o Ministério da Educação divulgou o Relatório Nacional da Escuta das Adolescências na Escola, um levantamento inédito que ouviu mais de 2,3 milhões de estudantes do 6º ao 9º ano da rede pública em todo o Brasil. Entre os principais achados, um dado chama atenção e preocupa: quase metade (48%) dos alunos do 8º e 9º anos afirma não encontrar um ambiente seguro na escola. O número já seria alarmante por si só, mas o cenário ganhou contornos trágicos poucos dias depois, com o assassinato de dois adolescentes dentro de uma escola estadual em Sobral, no Ceará.
Esse crime violento acende novamente um alerta que milhares de estudantes já vêm dizendo, dia após dia, em silêncio ou em voz alta: muitas escolas brasileiras deixaram de ser um lugar seguro. Mais que um espaço de ensino, a escola precisa ser um espaço de segurança. E quando falamos em segurança, não estamos nos referindo apenas à ausência de violência física. A insegurança que os estudantes relatam é múltipla: envolve sentimentos de desamparo emocional, ausência de escuta, relações deterioradas com adultos e, muitas vezes, um ambiente de hostilidade e medo.
Os dados do relatório do MEC são um chamado urgente à ação. Além dos 48% que não se sentem seguros, apenas 45% dos adolescentes disseram se sentir acolhidos por adultos na escola. E quando o tema é respeito, os números caem ainda mais: só 26% acreditam que os estudantes respeitam os professores.
Um aspecto que chama atenção é a diferença entre os mais jovens (6º e 7º anos) e os mais velhos (8º e 9º anos). Entre os primeiros, a percepção de acolhimento e segurança é ligeiramente mais positiva. Já entre os mais velhos, que estão em fase de maior pressão acadêmica e de intensas transformações físicas e emocionais, o sentimento de insegurança cresce de forma preocupante. Essa diferença aponta para um ciclo de desgaste das relações escolares, no qual o aumento da idade vem acompanhado de uma queda na sensação de pertencimento e proteção.
Mas é importante salientar que a violência escolar não se resume a tragédias como a de Sobral. Ela está também no silêncio dos corredores, nos apelidos que humilham, na sensação de estar sozinho mesmo em uma sala cheia. Insegurança emocional e fragilidade nas relações se entrelaçam, criando experiências negativas que deixam marcas profundas. A escola, que deveria ser um espaço de proteção e aprendizagem, muitas vezes reproduz as tensões da sociedade: desigualdades, preconceitos, disputas de poder. Quando esses fatores se somam à falta de escuta ativa e de políticas de acolhimento, o resultado é um ambiente onde estudantes e educadores vivem sob alerta constante.
Para enfrentar esse desafio, eu tenho defendido o conceito das escolas SAFE — um acrônimo em inglês que traduz quatro dimensões fundamentais para a segurança e o bem-estar na escola:
Essas quatro dimensões não são e nem podem ser vistas como luxo, mas como condição básica para o aprendizado e as boas relações no ambiente escolar. Agora, transformar a escola em um espaço realmente seguro exige compromisso coletivo, incluindo gestores, professores, governos e toda a comunidade. Inclusive, já se sabe que quando o assunto é engajamento família-escola, quanto mais velhos os estudantes, menor o engajamento positivo dos pais na escola.
Em geral, a partir do 6o ano, os pais vão para escola por dois motivos bem definidos: notas ou reclamações. Se a família não apoia e não valida as orientações da escola, e ainda se coloca como opositora, que tipo de aprendizado estamos ensinando aos nossos filhos?
Pais e mães precisam estar atentos aos comportamentos dos filhos, mas mais do que ouvir, é preciso agir. Conversar com professores, cobrar das escolas políticas de escuta ativa, programas de convivência e protocolos de segurança. Exigir que as instituições eduquem para a paz, para o respeito e para a vida em comunidade. O caso de Sobral é um alerta doloroso, mas se a dor nos imobiliza, o risco é que a tragédia se repita. A força das famílias, combinada ao compromisso das escolas e do poder público, pode transformar esse cenário.
Construir escolas SAFE não é apenas uma ideia bonita — é uma urgência. É garantir que cada estudante entre e saia da escola com a certeza de que aquele é um espaço onde aprender e conviver vale a pena.
*Carol Campos é educadora especializada em emergências, advogada e mestre em Políticas Públicas. Atuou em instituições como Harvard, MIT e Teachers College (Columbia) e liderou projetos em Sobral, no MEC e em redes municipais. Atualmente, é Diretora Executiva do Vozes da Educação, Conselheira do Movimento pela Base e Consultora da UNESCO.
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