Educação que liberta: professor de inglês forma líderes globais no Recife

“Pobreza não é sinônimo de falta de Cultura”, diz educador Emanoel Ceress, professor de inglês que ensina além do idioma

Filipe Almeida* Publicado em 27/01/2025, às 09h00

O professor Emanoel Ceress -

Quando criança, Emanoel ficava fascinado com o funcionamento do mundo ao seu redor. Ouvindo músicas e assistindo filmes internacionais, ele se perguntava: "Como aquelas pessoas falavam línguas tão diferentes e, mesmo assim, aquelas palavras estranhas faziam algum sentido? E como eu não sei o que é que elas falam?"

Hoje, aos 46 anos, Emanoel Ceress é professor de inglês e fundador de seu próprio curso no centro de Recife, com um propósito claro: ele sonha em formar uma nova geração de ativistas internacionais. “Pobreza não quer dizer falta de cultura”, afirma o educador, que cresceu em uma realidade humilde, mas sempre foi movido pela curiosidade.

Emanoel e alunos

 

“Sempre tive o desejo de saber como as coisas funcionavam. Muitas vezes, acham que quem não tem boas condições financeiras também não tem cultura, mas isso não é verdade.” Aquela curiosidade de saber como as coisas funcionavam aumentou mais ainda quando fez “práticas agrícolas” na escola. “Adoro plantas. Eu sempre tentava entender por que as plantas cresciam”, relembra.

Foi essa busca por respostas que o levou a prestar vestibular para Química, na intenção de entender como aqueles nutrientes da terra alimentavam a planta e, por fim, nutriam os seres humanos. Apesar de ter passado na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Emanoel optou por um caminho diferente: tornou-se missionário. “Passei 2 anos como missionário em São Paulo, onde acabei tendo muito contato com pessoas dos Estados Unidos, e comecei a dialogar com elas em inglês e voltei para Recife com a vontade de fazer Letras (inglês)”.

 

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O contato com outros idiomas, porém, não foi apenas nessa missão. Emanoel explica que isso já havia ocorrido antes, por conta da sua mãe: “Eu já tinha um interesse muito grande por idiomas desde que estudei alemão no Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA) e das fitas de aulas de idiomas que minha mãe, que era faxineira, recebia das patroas para quem ela trabalhava. "Eu colocava aquelas fitas e ficava ouvindo e aprendendo. Eu não tinha professor, fui totalmente autodidata”, conta. Após concluir o curso de Letras em inglês, ele mergulhou ainda mais no universo acadêmico.

Emanoel Ceress se especializou em áreas como Linguística Aplicada, Literatura Anglo-Saxã e Cultura Pernambucana. “Estudei também Culturas e Metodologias Africanas e Psicopedagogia. Além disso, participei de cursos da HarvardEx, como o ‘Family Engagement’, voltado para pedagogia e o papel da família na educação”, explica. O professor viaja anualmente para diferentes partes do mundo, buscando compreender como o conhecimento é transmitido em outras culturas e idiomas. Atualmente faz mestrado em Educação.

Entre todas as suas experiências, talvez a mais marcante tenha sido sua atuação na Missão Brasileira de Paz no Haiti, como intérprete da ONU e professor do exército brasileiro.

 

Comecei com uma formação para preparar militares para atuar na ONU, e depois fui convidado para a missão no Haiti”, relembra.

Durante esse período, Emanoel realizou cursos pela ONU em Operações Básicas e Avançadas de Paz, Manejo de Corpos, Interpretação de Guerra, Negociação e estratégias para trabalhar em áreas de conflito.

 

Emanoel em missão como tradiutor

 

No convívio com as pessoas no Haiti, acabou aprendendo a falar Crioulo-haitiano e participou ainda mais em processos de negociação através da ONU e do exército brasileiro. O professor trabalhou com mais de 40 nacionalidades com as tropas da ONU. “Tudo isso veio a partir de um ponto anterior que era querer conhecimento”, reflete, “Sempre acreditei que o conhecimento nos dá a capacidade de acessar novos espaços.” Nesta missão do Haiti, o educador comenta que foi uma virada de chave na sua carreira, principalmente na sua luta social.

 

Passei a perceber que as pessoas as vezes não buscam o conhecimento porque elas não foram estimuladas. É como eu falei inicialmente: pobreza não é falta de cultura, ela é uma questão econômica. A pessoa pode ser rica intelectualmente e culturalmente.”

Emanoel usa como exemplo sua experiência com alguns intérpretes com quem trabalhou no Haiti que, anteriormente ao colapso do país, eram filósofos, diretores de TV estatais e figuras do alto escalão e, naquele momento, eram apenas intérpretes como ele. 

Ceress considera que "nasceu de novo" no Haiti, relembrando que enquanto estava no exterior, seu filho precisou fazer uma cirurgia delicada, e a distância o fez perceber que ele só tinha aquela vida para viver com seu filho: “Foi uma das poucas vezes que orei de verdade a Deus, pedindo pela vida do meu filho. Percebi que só tinha essa vida para viver com ele e decidi mudar a minha forma de viver”, conta. Após sete meses no Haiti, o professor voltou como uma pessoa mudada. “Muitas vezes olhamos a vida pela lente de outras pessoas, mas eu decidi enxergar pela minha própria lente”, reflete.

 

Voltei de lá (Haiti) mais sensível para as causas sociais, mas não apenas pelas causas sociais, mas sim pelas causas humanas, para ajudar o outro a encontrar um sentido para si. Muitas pessoas pedem ajuda, mas o que ela está pedindo é ‘faça por mim’. E não é fazer por ela, é mostrar caminhos para a pessoa solucionar o problema”, afirmou Emanoel.

Atualmente, Emanoel lidera diversos projetos sociais em parceria com instituições não governamentais e empresários, embora a maioria deles seja mantida com recursos próprios. Entre as iniciativas, destaca-se o Mulheres Bilíngues, desenvolvido por ele e Altamiza Melo, com o apoio de figuras como Luiza Brunet, Regina Célia Barbosa (vice-presidente do Instituto Maria da Penha), a jornalista Mariana Kotscho e membros do Ministério Público.

“Essas pessoas entendem o valor de uma segunda língua como ferramenta de empoderamento intelectual, especialmente para mulheres. Muitas enfrentam desafios em seus lares e em outros aspectos de suas vidas, mas nosso objetivo é capacitá-las para transformar o mundo ao seu redor”, afirma Emanoel.

A criação do Mulheres Bilíngues também abriu portas para novas conexões, como o ativista Quentin Walcott, de Nova Iorque. Emanoel relembra o momento marcante em que foi questionado sobre sua ancestralidade por Regina Célia durante uma aula: “Ela me perguntou: ‘Quando você vai ser preto? Quando você vai reconhecer sua ancestralidade?’ Aquilo me desarmou. Depois, ela continuou: ‘Quem foi o seu avô? O que é ser homem? Apenas ter filhos? E se ele for estéril, então ele deixa de ser homem?’ Essas perguntas me fizeram refletir profundamente. Foi quando Regina disse: ‘eu conheço alguém que vai lhe ajudar a achar as respostas para essas perguntas’ e me apresentou ao Quentin.”

Muito mais que aulas de inglês

 

Com Walcott, Emanoel passou a integrar um grupo de homens negros — formado por doutores, psicólogos e outros profissionais — que debatem questões de masculinidade. A partir dessas discussões, ele idealizou, juntamente com o professor Lêpe Correia, o Projeto Kibamgu, focado na educação em língua inglesa como ferramenta para promover reflexões e mudanças comportamentais.

 

Quentin acredita que o homem faz parte do ciclo de violência doméstica e, por isso, deve ser incluído no processo de transformação. Não é possível combater a violência apenas trabalhando com as mulheres, porque o homem também é parte desse ciclo”, reflete Emanoel. Como Quentin diz, ‘Men and women are allies’ (Homens e mulheres são aliados). Através da educação, podemos unir esses dois grupos em busca de um futuro mais igualitário.”

 

Emanoel vê a educação como uma força transformadora e libertadora.“Quando analisamos elementos como grade curricular, intervalo e disciplina, percebemos que muitos deles são estruturados como ferramentas de repressão. Mas eu quero que esses jovens entendam que a educação, na verdade, é libertadora. É através do conhecimento que conseguimos acessar novos espaços”, reflete. Grande parte dos jovens que participam de seus projetos vem de comunidades carentes no Recife, mas Emanoel faz questão de usar o termo "favela" para redefinir sua percepção.

 

“Favela não pode ser sinônimo de pobreza. Ela deve ser sinônimo de potência. Há uma romantização que cria um estigma negativo sobre a palavra. O termo FAVELA deveria ser ressignificado e sua realidade reestruturada para que as pessoas possam viver melhor. Para mim, favela deveria significar um local de conhecimento e crescimento, desmistificando a ideia de que é apenas um espaço de carência”, afirma.

Quando questionado sobre como toda essa trajetória que ele construiu está envolvida diretamente nos trabalhos atuais com as mulheres bilíngues e, principalmente, com os jovens negros carentes, ele diz que é "através da dor".

“Você sabe a dor que aquele jovem está passando, sabe das dificuldades de não ter recursos para fazer as coisas – é ter que ir andando de uma cidade à outra, porque só se tem dinheiro para uma passagem de ônibus para voltar para casa, e ter que comer pegando manga numa árvore de uma praça e ter um paninho na bolsa para se limpar, engraxar o sapato e ir visitar o local para deixar seu currículo. É andar por sete quilômetros para entregar currículo na esperança de ter uma porta de emprego para se sustentar - saber de tudo isso, mas explicar que muitas vezes, é o querer, é a vontade de fazer é que vai ser a grande diferença”, explica, “Acredito que o papel do educador seja entender a dor do seu aluno”.

Emanoel Ceress também é palestrante

Ao falar sobre o legado que deseja deixar, Emanoel reflete sobre a importância da ancestralidade e da educação como pilares para o futuro. “O que fazemos agora ecoa para a eternidade. Quando entendermos quem somos, nossa educação também ecoará, transformando vidas e gerando impacto eterno.” 

 

*Filipe Almeida é jornalista

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