Dia Mundial das Cidades e o desafio da sustentabilidade

Entrevista com Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, sobre como gerar menos resíduos nas cidades

Redação Publicado em 31/10/2022, às 06h00

É preciso repensar a produção e o descarte de lixo -

No dia 31 de outubro é comemorado o Dia Mundial das Cidades, data criada pela ONU em 2013, comemorada a partir de 2014 para promover o desenvolvimento urbano sustentável. Um dos grandes desafios para as cidades nos próximos anos será tentar diminuir a geração de resíduos.

O mundo vai gerar 3,4 bilhões de toneladas de resíduos por ano até 2050, aumento de 70%, segundo estudo da organização sem fins lucrativos International Solid Waste Association (ISWA). O destino e reaproveitamento desses resíduos, dentro da proposta de economia circular, é um dos grandes desafios globais e dos municípios. 

O Professor Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, falou sobre essa importante questão para os municípios, afinal o aumento da produção de resíduos está ligado ao aumento de gases que provocam o efeito estufa, causando mudanças climáticas graves. 

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Entrevista com Edson Grandisoli

Como o Dia Mundial das Cidades se relaciona com o movimento circular?

Edson Grandisoli: A maior parte da população mundial vive em cidades. Estimo que, no Brasil, mais de 90% da população já seja urbana. As cidades consomem mais de 75% de todo recurso natural explorado no planeta. Sendo assim, o metabolismo urbano está intimamente ligado a diferentes tipos de impactos ambientais, sociais e econômicos. Dentro desse cenário, planejar e criar cidades sustentáveis e resilientes é fundamental se desejamos garantir uma melhor qualidade de vida para todos. A Economia Circular traz uma visão que pode colaborar com essa visão de presente e futuro, em especial, porque está relacionada à redução da retirada de matéria-prima do ambiente e, no final da cadeia de produção, consumo e descarte, reduzir a quantidade de resíduos gerados todos os dias.

Que abordagens devem ser feitas para promover efetivamente o desenvolvimento sustentável no Dia das Cidades?

Edson Grandisoli: Existem muitos pontos a serem considerados. O Programa Cidades Sustentáveis, referência na temática, traz uma lista de mais de 260 indicadores incluindo aspectos relacionados à mobilidade, energia, meio ambiente, saúde, habitação, educação, entre outros. Ponto fundamental para a construção de sociedades mais sustentáveis é o acesso à informação e a atuação interdisciplinar, uma vez que os desafios estão, de forma geral, conectados. Não é possível, só para citar um exemplo, buscar melhoria da mobilidade na cidade sem se pensar em questões energéticas e de saúde.

Quais são as prioridades, no cenário atual, para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras?

Edson Grandisoli: Pensando que o grande desafio mundial atual está ligado às mudanças do clima, as cidades têm papel fundamental no enfrentamento desse cenário, uma vez que emitem cerca de 75% dos gases de efeito estufa relacionados à energia. Considerar essa questão como central deve levar população, empresas e governos a aturem de forma conjunta sobre temas como planejamento urbano, mobilidade, gestão da água e resíduos, obtenção de energia e inclusão.

O Brasil tem 5.570 municípios de realidades muito distintas. É possível pensar num projeto único de economia sustentável para todos eles?

Edson Grandisoli: Não. Cada município tem uma história e parte de uma realidade distinta. Compreendê-la e pensar em diretrizes e ações depende da realização de um bom diagnóstico inicial. A partir dele, identificar os pontos de atuação por meio de ações coordenadas.

Hoje parte dessas cidades já têm projetos de sustentabilidade, e inclusive são ranqueadas em diferentes estudos. Que cidades o senhor citaria como referências e quais os principais projetos dessas cidades?

Edson Grandisoli: Segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC), a cidade mais sustentável brasileira é São Caetano do Sul. A pontuação associada ao índice diz respeito ao progresso total das cidades para a realização de todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No caso de São Caetano do Sul merecem destaques projetos de energia limpa e acessível (ODS 9) e a conservação da vida na água (ODS 14).

Qual a importância do Plano Nacional de Resíduos Sólidos nesse contexto de economia circular e cidade sustentável? Como o senhor avalia a execução desse plano no Brasil, na realidade atual?

Edson Grandisoli: O Planares compõem estratégias de curto, médio e longo prazos para colocar efetivamente em prática o que foi preconizado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). O Planares levou mais de 10 anos para ser preparado, ou seja, temos um déficit sério com relação à gestão de resíduos na maior parte dos municípios brasileiros. Tanto o Planares quanto a PNRS possuem diretrizes e estratégias que valorizam a circularidade na economia, em especial na ponta final da cadeia, a gestão dos resíduos, por meio do estímulo à reciclagem e logística reversa. Apesar disso, ainda falta um longo caminho nessa direção. Financiamentos, novas políticas públicas e parcerias são fundamentais para caminharmos.

Que medidas o senhor destaca nesse plano e como as cidades estão lidando com elas?

Edson Grandisoli: Acredito que a questão anterior responda essa questão. Difícil responder caso a caso. 

Fora o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, existe outra ferramenta que o governo federal poderia utilizar para implementar ações de sustentabilidade nas cidades? Quais?

Edson Grandisoli: Melhor não dar foco somente na esfera federal se estamos sempre reforçando o papel da corresponsabilização.

Quais os desafios das administrações municipais para implementar ações de economia circular? Como superá-los? 

Edson Grandisoli: As administrações municipais são apenas um ator (muito importante) quando se pensa em Economia Circular. A parceria com as indústrias, empresas e cidadãos é fundamental, uma vez que todos os atores sociais são responsáveis por um pedaço dessa circularidade, pensando-se na cadeia de extração-produção-consumo-descarte. Sendo assim, políticas públicas são fundamentais, bem como investimentos, coparticipação e corresponsabilização.

Quais os desafios do setor privado e do mercado para a criação de projetos efetivos de economia circular nas cidades? Como superá-los?

Edson Grandisoli: Destacaria três: infraestrutura, investimentos e mudança de mentalidade. A superação dos desafios da circularidade, insisto, se faz de forma colaborativa e participativa entre diferentes atores da cadeia. Para isso, faz-se fundamental a criação de mais espaços de diálogo e colaboração. Em muitos casos, o que é lixo para um, é insumo para outro.

Quais os desafios das pessoas para a adesão a projetos efetivos de economia circular nas cidades? Como superá-los?

Edson Grandisoli: No caso das pessoas, considerando-as cidadãos e cidadãs, e não somente consumidores, é preciso participação na vida pública e mobilização. Cobrar transparência de informações das empresas e governos favorece melhores escolhas no dia a dia, bem como avaliar constantemente suas prioridades e reais necessidades de consumo. Refletir e recusar são dois dos mais importantes para o consumidor.

Quanto tempo é necessário, na sua avaliação, para que uma cidade consiga adotar efetivamente um projeto satisfatório de economia circular? O senhor pode dar exemplos?

Edson Grandisoli: Não há como prever. Diagnósticos que se utilizam de bons indicadores devem apontar de forma assertiva as diferentes demandas, necessidades, carências e fortalezas. Criar cidades sustentáveis e resilientes é um processo que tem data para começar, mas não tem data para acabar. Alguns países da Europa, como a Alemanha, possuem altas taxas de reciclagem (cerca de 70%), mas ainda incineram parte de seus resíduos, o que colabora para as mudanças climática globais. Sempre há o que melhorar.

Que passos fundamentais, práticos, a cidade deve executar para se tornar sustentável dentro do projeto de economia circular?

Edson Grandisoli: Adotar um pensamento mais sistêmico e integrado, procurando compreender da melhor forma a cadeia de produção, consumo e descarte e como cada grande ator participa dela. Pensar em circularidade é obrigatoriamente pensar nas conexões de causa e efeito. Sendo assim, uma boa análise diagnóstica integrada e multisetorial pode revelar pontos importantes de ação na direção da circularidade.

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