Instituto Maria da Penha faz evento histórico sobre direitos das mulheres

Encontro foi mediado pela jornalista Mariana Kotscho e teve como marco os 30 anos da Convenção de Belém do Pará, que transformou os direitos das mulheres

Maria Cunha* Publicado em 03/04/2024, às 17h00

A live foi ao ar no YouTube, Facebook e transformada em podcast -

O mês de março, conhecido como o mês da mulher, terminou. Logo veio o feriado de Páscoa e diversos conteúdos produzidos na última semana foram assistidos nesta. O destaque fica para o Instituto Maria da Penha (IMP) que, na quarta-feira (27), realizou o evento "Gênero, Democracia e Direitos Humanos para as Mulheres: os 30 Anos da Convenção de Belém do Pará"

Organizado pela Profª Regina Célia, co-fundadora e vice-presidente do IMP, o encontro histórico e democrático contou com a participação de seis convidadas: Maria da Penha (fundadora do Instituto e inspiradora da Lei Maria da Penha), a Ministra de Estado das Mulheres Cida Gonçalves, a advogada Drª Leila Linhares (membro do Comitê de Especialistas do Mecanismo de Monitoramento da Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher da OEA), Drª Silvia Pimentel (integrante do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, da ONU), Drª Myllena Calasans (integrante da Coordenação do Cladem/Brasil) e Drª Marilha Boldt (presidente do Instituto Superação da Violência Doméstica).

O webinar foi mediado pela jornalista Mariana Kotscho, colunista da TV Globo, e começou com Maria da Penha relembrando sua história e agradecendo a todos que contribuíram em prol da criação de direitos para as mulheres e da Lei Maria da Penha. Em 29 de maio de 1983, a ativista foi baleada nas costas pelo então marido enquanto dormia e ficou paraplégica. "Agradeço a Deus por ter me permitido sobreviver, poupando as minhas filhas da orfandade. Lutei por 19 anos e seis meses para que a justiça acontecesse", afirma a inspiradora da Lei. 

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De acordo com a Profª Regina Célia, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará teve um papel fundamental para que a Lei Maria da Penha fosse criada, além de ter fortalecido a democracia e a aplicabilidade de políticas públicas mais eficientes.

O tratado foi adotado no dia 9 de junho de 1994 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em uma conferência realizada na capital paraense. A medida foi primeiro acordo internacional legalmente vinculante que criminaliza todas as formas de violência contra a mulher. 

"A Convenção de Belém do Pará está fazendo 30 anos. A nível de América Latina, ela foi a linha-base da maioria das legislações de violência contra as mulheres existente. Não tem como a gente discutir gênero, democracia e direitos humanos sem discutir a Convenção de Belém do Pará", explica a Ministra de Estado das Mulheres Cida Gonçalves.

A política também pontua que, embora tenhamos avançado, a busca pelos direitos das mulheres ainda enfrenta grandes desafios. "Apesar de 18 anos da Lei Maria da Penha e 98% da população conhecer a Lei, ela ainda não foi efetivamente implementada no Brasil. Nós não temos serviços especializados na maioria dos municípios, não temos delegacias especializadas, as prefeituras não cumprem o artigo 8° da Convenção de Belém do Pará e nem o Artigo 35, 36 e 37 da Lei Maria da Penha, que é colocar orçamento, priorizar a questão da violência contra as mulheres, os tribunais de justiça criarem juizados especializados de atendimento à mulher e juizados híbridos."

No entanto, a ministra reforça o papel da Lei Maria da Penha para o cenário atual. "O papel do consórcio da Lei Maria da Penha, composto por sete entidades, foi fundamental. Desde 2002, já estavam trabalhando o projeto de lei que foi entregue ao governo federal em 2004, para a então ministra Nilcéa Freire, que criou um grupo de trabalho dentro do governo junto com a sociedade, o qual culminou na condenação do Brasil pela OEA e nós conseguimos acelerar o processo de discussão e de aprovação da Lei Maria da Penha em 2006", explica. "Essa aprovação é feita pelo debate, começa com as organizações da sociedade civil, das feministas, das jurídicas feministas, ela tem esse olhar, essa característica e uma série de instituições fazem o debate em diversos estados e assembleias legislativas para discutir a Lei."

 

Assista aqui ao evento completo

 

De acordo com Cida Gonçalves, é necessário pensar a democracia como um elemento fundamental e básico para as mulheres brasileiras enfrentarem a violência. "Não existe democracia sem as mulheres. Nós somos 52% da população. O grande objetivo do governo Lula é a igualdade salarial entre homens e mulheres e o feminicídio zero", reforça. "Temos que pensar uma educação, um movimento na sociedade brasileira, que dê conta de dizer que violência contra as mulheres não dá, que a intolerância, que o ódio contra as mulheres, não pode ser aceito. E isso não pode ser feito só através da educação, nem só com crianças. Nós temos que fazer com a sociedade e tem que ser agora, senão nós vamos adiando até o jovem ficar mais velho, mas quando ele chega em casa, o pai está espancando a mãe."

Segundo a vice-presidente do IMP, a Profª Regina Célia, o Instituto Maria da Penha insiste na quebra definitiva da geracionalidade da violência e de toda e qualquer forma de discriminação e preconceito. "A gente não deve mais, não pode mais suportar filhas e netas com síndrome de Gabriela –– 'Eu nasci assim, eu cresci assim, sou mesmo assim e vou ser sempre assim' –– essa é a luta."

A ministra Cida Gonçalves complementa explicando a importância da capilaridade no combate à violência, visto que existem menos de 500 secretarias municipais com políticas públicas para as mulheres do país, o que impede a chegada de iniciativas em pequenos municípios. "Não é uma coisa desse governo ou de outro, tem que ser uma política de Estado."

Regina Célia também lembra que embora a Lei Maria da Penha complete 18 anos, o crime sofrido pela ativista ocorreu há 40 anos. "A Maria da Penha não só traz essa proposta de enfrentamento, mas também traz a mulher para o lugar de um protagonismo de acesso à justiça com relação à educação e ao espaço político de poder", ressalta. 
 
Ela ainda pontua que 2024 é um ano eleitoral nos mais de 5.500 municípios brasileiros e pede que a população faça uma avaliação precisa, racional e estratégica de quem vai eleger. "A gente tem que entender o seguinte: se a saúde, a educação e as política públicas são boas para as mulheres, são boas para todo mundo". 
 
"Temos que continuar resistindo, temos que encontrar formas de dizer às pessoas o que vale a Convenção de Belém do Pará, o que vale a Lei Maria da Penha, e a relação imensa das duas. Focar na educação sobre direitos humanos das mulheres em todos os níveis do ensino", conclui a advogada Silvia Pimentel. 
 
*Maria Cunha é jornalista e autora do livro "Gestação do Coração - 5 histórias de adoção". 
 
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