A luta pela exigência do compliance de gênero no meio corporativo

Você sabe o que é igualdade de gênero e qual a importância disso em todas as áreas da sociedade?

Gabriela Carrocini O. Monico* e Anelise Borguezi Diogo** Publicado em 29/09/2024, às 08h00

Lugar de mulher é onde ela quiser -

Em 7 de agosto de 2024, a Lei Maria da Penha atingiu sua maioridade, 18 anos de existência!. Celebrando sua conquista, é importante ressaltar também outras normativas que são fruto da luta das mulheres pela igualdade de gênero e pelo fim da violência.

Um exemplo de conquista legislativa dos direitos das mulheres é a Lei n. 14.457 de 2022, que institui o Programa Emprega + Mulheres em âmbito Federal. Em especial, determina que empresas com mais de 20 funcionários, cujo CNAE é determinado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, formulem e, também, executem um Programa de Compliance de Gênero.

O objetivo do Compliance de Gênero, segundo a Lei, é a “promoção de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho”. Para tanto, as empresas deverão estabelecer um Código de Ética que proíba o assédio sexual e discriminação de gênero, cujo conteúdo deverá ser amplamente divulgado ao corpo de profissionais da empresa. Ademais, é necessária a implantação de Canal de Denúncias para investigação interna e sancionamento de atos de violência contra a mulher, além do treinamento dos funcionários sobre igualdade de gênero.

A normativa está em vigor e o Ministério do Trabalho e Emprego detém poderes de fiscalização sobre sua consecução. Além disso, as empresas que aplicarem tais disposições serão beneficiadas com o selo “Emprega + Mulher”, de forma a amplificar a seus stakeholders seu compromisso na promoção à igualdade da mulher no mercado de trabalho.

 

Veja também

No âmbito da cultura ESG (Environmental, Social andGovernance), as corporações vêm, nos últimos anos, implementando políticas internas para o combate à discriminação de gênero em âmbito profissional. As empresas líderes em seus setores já entenderam que políticas para garantir inclusão e equidade de gênero no ambiente corporativo é essencial, não apenas por uma questão de responsabilidade social, mas também por ser uma decisão estratégica e inteligente para o crescimento e inovação da empresa.

É o que revela o relatório "Diversity Matters Even More" da McKinsey, que examina a relação entre diversidade, equidade e inclusão e o desempenho empresarial. A edição de dezembro de 2023 mostrou que equipes executivas diversificadas, tanto em termos de gênero quanto de etnia, têm uma probabilidade maior de obter lucros acima da média, sendo 9% mais propensas a superar seus concorrentes em lucratividade. Em contraste, empresas com menor diversidade têm, em média, 66% menos chances de superar financeiramente seus concorrentes.

Entretanto, a obrigatoriedade de promoção da equidade das mulheres em nível legal é uma inovação no sistema jurídico brasileiro, que consolida a vanguarda do país na legislação pelos direitos das mulheres a nível global.

Destaca-se que a consolidação de políticas de gênero em empresas, de forma não obrigatória, o que já vem sendo fortificadono mercado, é fruto da irresignação das mulheres profissionais em anos de história por direitos e pela liberdade, que se desdobra tanto em sua vida pessoal quanto profissional. Assim, enquanto alinhamento ético e moral com stakeholders, as empresas vêm se deparando com a necessidade de assegurar um ambiente saudável e propício à evolução feminina.

Parte desta luta, é importante citar, foi traduzida na mídia recentemente pelo fenômeno Me Too. A partir de denúncias de assédio sexual no meio cinematográfico, dezenas de mulheres, em âmbito mundial, passaram a narrar publicamente histórias de assédio sexual e a amplificar sua solidariedade às vítimas.

Enquanto desdobramento, nos dias de hoje, um escândalo midiático de assédio sexual em nível empresarial é um dano reputacional complexo, tenso e delicado para qualquer corporação. A repercussão negativa afeta não apenas a imagem pública da empresa, mas também a confiança de seus stakeholders, incluindo investidores, clientes e colaboradores. Além disso, tais escândalos podem resultar em graves consequências legais e financeiras, com processos judiciais custosos e multas significativas. A perda de talentos, a queda na moral dos funcionários e o impacto negativo na cultura organizacional são efeitos colaterais que podem comprometer seriamente a sustentabilidade e o crescimento da empresa. Por isso, a aplicação de políticas rigorosas de prevenção e combate ao assédio sexual é crucial para mitigar esses riscos e promover um ambiente de trabalho seguro, respeitoso e alinhado com as demandas atuais da sociedade.

Esta comoção social, então, se traduz agora enquanto exigência legal. O direito, como ocorre historicamente, vem como meio de solidificação de demandas sociais, a posteriori. Fruto das lutas de nossas bisavós, avós, mães e filhas, hoje temos voz em exigir um ambiente de trabalho digno e saudável, em que possamos nos desenvolver em paridade sem medo de violência, com meios legais para tanto.

 

*Gabriela Carrocini O. Monico é advogada criminalista, bacharel em Direito pela PUC-SP, com Extensão em Criminal Compliance pela PUC-Rio e Especialização em Compliance e Direito Penal pela Universidade de Coimbra.

Gabriela Carrocini

 

 

**Anelise Borguezi Diogo é advogada, Pós-Graduada em Ciências Criminais pela USP de Ribeirão Preto-SP e membro da Comissão Permanente das Mulheres Advogadas da OAB-SP.

Anelise Borguesi

 

mulheres igualdade de gênero Lei Maria da Penha

Leia mais

ODS 5: precisamos falar de igualdade de gênero também nas finanças


Interromper a fala de mulheres também é violência de gênero


O silêncio que mata: quatro mulheres são mortas por dia no país devido ao gênero


Segundo dados, equidade de gênero será alcançada em 131 anos


Caso Ana Hickmann e a Violência Processual de Gênero