A catástrofe climática vivenciada pelo Rio Grande do Sul escancarou a violência sexual vivenciada cotidianamente por crianças em seus lares
Pamela Villar Publicado em 28/05/2024, às 06h00
Denúncias de estupros e condutas análogas ocorridos nos abrigos criados para receber aqueles que tiveram que deixar suas casas pelo avanço descomunal das águas da chuva chegaram às autoridades no início do mês, gerando enorme consternação social e respostas imediatas por parte das autoridades públicas.
Foram criados abrigos destinados exclusivamente a mulheres e crianças, ampliou-se a segurança nesses locais e passou-se a adotar em relação a elas um protocolo de acolhimento diferenciado, que inclui medidas especiais que se iniciam no momento do salvamento, seguindo-se para onde elas serão levadas e chegando até o preparo específico da equipe responsável por fazê-lo. A ideia é que ele seja aplicado a toda e qualquer ocasião de emergência, seja ela climática ou social.
A problemática, no entanto, não é recente, menos ainda se deve à situação de calamidade pública experimentada no estado, tendo sido por ela apenas agravado.
Dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelaram que mais de 61,4% dos casos de estupros registrados no ano de 2022 foram praticados contra crianças menores de até 13 anos, sendo que em 64,4% deles o agressor é um familiar da vítima. Os números apontam para um crescimento de 8,6% em relação àqueles registrados em 2021, o maior da história do país.
Isso, ainda sem que se considere os enormes índices de subnotificação de crimes dessa natureza, fenômeno que se deve à dificuldade de identificação pelas crianças da situação de violência por ela experimentada, das ameaças dos agressores para que elas não relatem a ninguém o ocorrido e o temor de sofrerem eventuais represálias, já que, majoritariamente, aqueles que praticam a violência são pessoas próximas, tais como pais, avós, tios, irmãos, primos ou padrastos.
O cenário, que, como se vê, é extremamente alarmante e exige resposta severa e imediata das autoridades tanto em relação a medidas preventivas quanto repressivas, apenas se intensifica em situações nas quais o controle estatal é prejudicado em razão de catástrofes climáticas ou situações emergenciais no geral.
A razão para isso é que as crianças ficam especialmente vulneráveis nessas ocasiões e a vigilância estatal, por outro lado, tem sua eficácia diminuída. A sensação de impunidade, já incutida no imaginário brasileiro, somada a essa constatação acaba por intensificar a atividade criminosa.
As forças policiais e os órgãos do executivo e do judiciário concentraram seus esforços no resgate e salvamento das vítimas, que se encontram sob grave risco de vida, abrindo espaço para que os agentes que cotidianamente praticam tais crimes em suas casas, sintam-se à vontade para também cometê-los aos olhos do público.
Para além do Rio Grande do Sul, fenômenos como esse foram também registrados durante terremotos na China, de furacões nos Estados Unidos e, no Brasil, durante a própria pandemia de COVID 19.
Resta-nos, diante disso, abrir os olhos para o risco a que estão expostas as nossas crianças, para que possamos preveni-las e denunciá-las às autoridades.
*Pamela Torres Villar é sócia do Salomi Advogados. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Integra a Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
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