Critérios da SAF (síndrome alcoólica fetal) ludam ao longo dos anos e as características físicas são mais evidentes entre os 8 meses e 8 anos de idade
Maria dos Anjos Mesquita* Publicado em 07/01/2025, às 06h00
A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) corresponde a um dos cinco transtornos que fazem parte do chamado Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF) ou Espectro de Desordens Fetais Alcoólicas. Este espectro engloba uma ampla variação de alterações físicas e neurológicas, que podem ocorrer pela ação do álcool sobre o feto, quando a mulher consome esta droga durante a gestação.
Não se conhece se existe alguma quantidade segura de consumo de álcool pela mulher grávida. Não existe um momento seguro durante a gestação, em que o álcool possa ser consumido pela grávida, sem risco para o feto. Assim, qualquer quantidade de álcool consumido pela gestante e em qualquer período da gestação pode levar aos TEAF.
Dos cinco transtornos dos TEAF, a SAF corresponde ao quadro clínico mais grave e completo. É diagnosticada na presença de todos os seguintes critérios: pelo menos duas das três características faciais típicas (fissuras palpebrais pequenas, borda vermelha do lábio superior fina e filtro nasal liso), restrição de crescimento (pré-natal e/ou pós-natal) em relação ao peso e/ou estatura e defeitos anatômicos (com ou sem microcefalia) e/ou funcionais do sistema nervoso central que se manifestam no neurodesenvolvimento, comportamento e no aprendizado.
No entanto, os critérios da SAF tendem a se modificar de acordo com a idade cronológica do seu portador.
As características físicas da SAF são mais evidentes entre os oito meses e oito anos de idade, sendo as três características faciais os pontos chaves para o diagnóstico. Na síndrome mais grave, nos fetos severamente afetados, essas características faciais já podem ser vistas nos recém-nascidos.
À medida que a criança se aproxima da adolescência, os três atributos faciais típicos tornam-se menos evidentes. Em alguns adultos, elas são tão normais que fotografias da primeira infância devem ser usadas para confirmar o diagnóstico.
Com o crescimento, em alguns pacientes, o peso se normaliza, mas a baixa estatura e a microcefalia geralmente persistem na idade adulta.
As manifestações anormais do neurodesenvolvimento, comportamento e do aprendizado da SAF também mudam do nascimento até a idade adulta.
Os déficits do sistema nervoso central podem variar desde irritabilidade a nervosismo, distração e a atrasos no desenvolvimento e na linguagem, nos pré-escolares.
Na idade escolar, crianças com esta síndrome podem ter hiperatividade, desatenção, dificuldade no aprendizado, atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem, dificuldade de concentração e na coordenação, curto período de atenção. Podem apresentar habilidades de raciocínio e julgamento deficientes, alteração do comportamento e da interação com outras pessoas, pela incapacidade de avaliar causa e efeito dos seus atos e pela má compreensão das expectativas sociais. Também podem ter problemas para se adaptar a mudanças, controlar emoções e gerenciar habilidades para a vida futura.
A hiperatividade, desatenção e dificuldades de aprendizagem na infância mais tardia, muitas vezes é confundida com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Na adolescência, as anormalidades podem se manifestar com má coordenação, reflexos anormais, baixo desempenho acadêmico, resolução prejudicada de problemas, habilidades sociais precárias e deficiências nas funções executivas. Podem manifestar-se, ainda, com inabilidade de compreender as consequências das ações, dificuldades com as atividades da vida diária e problemas no controle de impulsos, que podem provocar o abandono escolar, a incapacidade de manter o emprego e a inadequação do comportamento sexual, como toque impróprio e exposição inapropriada.
Na adolescência e na vida adulta, essas dificuldades levam a problemas com a sua independência, emprego competitivo, integração social e envolvimento com o sistema de justiça.
Não existe um teste único capaz de fazer a confirmação diagnóstica da SAF. A avaliação e o diagnóstico devem ser realizados por uma equipe multidisciplinar
A ação do álcool sobre o feto é a principal causa evitável de deficiências congênitas não hereditárias e de deficiência intelectual, em todos os países do mundo. Os danos causados no cérebro fetal, pelo álcool consumido pela gestante, não têm cura, havendo apenas tratamentos que mitigam os seus sinais e sintomas.
Assim, a prevenção da SAF e dos demais componentes dos TEAF é a melhor estratégia. Para isso basta que a gestante não consuma nenhuma quantidade de álcool em nenhum período da gravidez.
*Maria dos Anjos Mesquita é médica Neonatologista, membro do Grupo de Estudos da Síndrome Alcoólica Fetal da Sociedade de Pediatria de São Paulo e do Grupo de Trabalho sobre Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal da Sociedade Brasileira de Pediatria