A educadora Tatiane Santos comenta sobre os impactos do racismo entre crianças no ambiente escolar
Tatiane Santos* Publicado em 09/09/2022, às 06h00 - Atualizado às 18h00
“RACISMO ESTRUTURAL – As principais características do racismo estrutural
são, por um lado, a negação do próprio racismo como sistema de opressão e,
por outro, a defesa de uma ideia de humanidade universal. Esta combinação de
fatores permite construir relações tomando desigualdades como parte integrante
da vida em sociedade, sem dar atenção às diferentes identidades raciais que todo
o tempo participam desse processo de construção de relações. " (ALMEIDA, 2018)
A primeira infância é o período da vida do zero aos 6 anos de idade, no qual temos a nossa maior janela de aprendizagem. Os primeiros anos de vida são como construir a estrutura de uma casa, que será a base sobre a qual todo o resto se desenvolverá. É o momento crítico do desenvolvimento cerebral e da sociabilidade, em que desenvolvemos nossa capacidade para sentir, explorar, conhecer e aprender. E, por isso, todo estímulo e experiência, seja ele positivo ou negativo, impactam em quem nos tornamos.
O cuidado, afeto, nutrição, as interações com os adultos, as brincadeiras e incentivos nas fases iniciais da vida podem ajudar o cérebro a desenvolver o seu potencial máximo. Por outro lado, fatores de risco como a violência, desnutrição, negligência e falta de acesso à educação de qualidade têm o efeito inverso.
Crianças que convivem com representatividade e tem sua auto estima elevada se arriscam mais. Com isso, enfrentam desafios, aprendem a lidar com frustração e desenvolvem persistência. Essas são trajetórias necessárias para o desenvolvimento cerebral, cognitivo e social. Porém, em um cenário nacional no qual o racismo é estrutural e a pobreza tem cor, estereótipos negativos são associados às pessoas negras e esse estigma afeta as crianças negras desde cedo na construção da auto imagem.
Uma prática comum do racismo é sua forma “velada”, quando a pessoa não percebe como seu ato é racista, porém esses atos impactam diretamente na forma como as crianças se percebem. Por isso é tão importante o estudo da educação antirracista.
Estudos qualitativos realizados no Brasil demonstram como o racismo estrutural, na sua expressão material e simbólica, impede o acesso a direitos na medida em que afeta as crianças negras que, por sua vez, podem internalizar o desenvolvimento de uma identidade racial desvalorizada ou negativa
Exemplos disso são associar beleza a pessoas brancas e a malandragem a pessoas negras; pentear cabelos lisos enquanto os elogia e, por sua vez, reclamar dos cabelos crespos, enquanto os chamam de difíceis e ruins; ensinar que lápis “cor de pele” é rosa claro, fazer elogios deturpados como “apesar de negro você é muito bom em (…)”, entre tantos outros. Essas práticas são acometidas tanto pelos adultos quanto entre as crianças, que por sua vez, reproduzem aquilo que veem.
Meu sobrinho tinha 8 anos quando foi chamado de “MACACO na escola”, ele preferiu falar com a avó na época. Contou a ela que alguns meninos na escola estavam “brincando” de chamar ele de macaco.
Então pergunto quem ria nessa brincadeira? O Racismo recreativo é sempre visto como brincadeira e resolvido com uma desculpa. Somos seres sociáveis e, quando falamos sobre racismo, falamos sobre interação.
Nesse sentido, é importante olhar para o efeito que estas piadas produzem e não para a intenção de quem proferiu.
Como o racismo impacta no desenvolvimento infantil?
Além disso, é fundamental ficar atento à reprodução de racismo entre as crianças, e promover ações antirracistas.
É importante valorizar o discurso da igualdade ( equidade) , porém sem embutir o discurso de que somos todos iguais que, por vezes, esconde uma falsa ideia de democracia racial.
Por isso, conversar com as crianças negras e não negras sobre diversidade racial, é um passo importante na desconstrução do racismo.
A violência do racismo estrutural se espalha na sociedade e intervém nas práticas pedagógicas das instituições que atendem crianças, revelando a lentidão da educação para aprimorar o trato do tema raça.
Assim como aconteceu com minha amiga Stephanie mãe do Murilo, ele estudava no Centro Educacional Infantil (CEI) Monte Carmelo II. A escola fez uma festa com o tema circo e colocou no menino Murilo uma criança preta uma máscara de macaco quando sua turma participava de uma festa. Stephanie Além de denunciar o ocorrido em seu perfil no Instagram, também registrou um Boletim de Ocorrências no 64° DP da Cidade AE Carvalho.
Além da garantia de acesso, a educação infantil precisa ter boa qualidade para cumprir sua finalidade de promover o desenvolvimento integral da criança pequena, o que pressupõe a existência de educadores preparados e materiais adequados para a educação das relações étnico-raciais.
Por fim, para a superação do racismo estrutural, especialmente no campo educacional que afeta o desenvolvimento infantil, algumas estratégias são necessárias , ações de enfrentamento e de combate às práticas racistas na educação infantil:
*Tatiane Santos é educadora, autora do livro Super Black, o poder da Representatividade, e mãe de 2 meninos. @pretinhaeducadora
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