Conheça a história da escritora Lívia Velloso, que acaba de lançar seu primeiro romance
Lívia Velloso* Publicado em 02/08/2024, às 06h00
Em uma tarde de maio de 2013, véspera do Dia das Mães, recebi o telefonema que mudou a minha vida para sempre. Minha filha havia chegado. Foram cinco longos anos de espera na fila da adoção até que eu segurasse meu bebê em meus braços e pudesse sussurrar em seu ouvido as nossas primeiras palavras de amor. Este momento de absoluta alegria ficou suspenso no ar por alguns segundos enquanto a minha cabeça viajava no tempo, em um flashback involuntário por tudo que eu vivi para estar ali com ela, a minha filha. Cada decisão tomada ao longo da vida me levou àquele momento? E se eu tivesse alterado alguma coisa em meu passado, ainda que insignificante, o meu presente seria outro? O que seria de nós duas?
Essa pergunta não saiu mais da minha cabeça. Eu contabilizava uma infância em uma casa melancólica, um casamento desfeito, um novo casamento construído com amor e respeito, uma carreira de executiva bem-sucedida, amigos queridos, alguns poucos desafetos, viagens ao redor do mundo, uma fobia de avião e outras tantas coisas. Bagagens, como todos nós temos. Eu era uma escritora diletante, publicava crônicas nas redes sociais e em um jornal do bairro. Elas agradavam pela leveza e bom-humor, escritas sempre na primeira pessoa. Cheguei a fazer textos sob encomenda, cartas de amor, de despedida, para celebrar aniversários, de um tudo. Romântica incurável, eu sonhava em escrever um livro, uma história de amor. E eu tinha um bom ponto de partida, a pergunta que eu me fiz quando me tornei mãe: “Para ter a certeza de viver o meu presente, eu teria a coragem de repetir o meu passado?” Um livro exigia fôlego e um talento que eu não tinha certeza de ter. A insegurança e o medo do julgamento alheio foram mais fortes e, adivinhem, o plano foi engavetado. Livro é coisa séria! Anos depois, a vida se complicou e eu fui atravessada pela depressão. Na luta para sobreviver à tristeza avassaladora que esta maldita doença provoca, procurei tratamento. As coisas iam melhorando, lentamente, até que um dia, insone, me ocorre passar o tempo escrevendo. Comecei a digitar algumas frases no computador e, de repente, sem perceber, nasceu o primeiro parágrafo do livro. Não parei mais. Escrevia todos os dias, sem planejamento, deixando-me levar pela imaginação. Talvez tenha sido esse descompromisso que me levou adiante.
Eu sabia sobre a personagem principal, a jovem Lia, que experimentava viagens loucas e inexplicáveis ao passado, revivendo a sua própria vida. Nas viagens, Lia tinha a chance de reescrever a sua história, evitando uma tragédia familiar; mas, se fizesse isso, se mudasse o que aconteceu, mudaria também o presente, colocando em risco a vida de seu grande amor. Eu me condoía com o sofrimento dela, com o seu dilema entre salvar o passado ou o presente. Sabia também que a Lia era uma perfumista e que o universo das fragrâncias seria um ótimo pano de fundo para a trama. Pessoas têm curiosidade sobre o assunto, e eu, repertório suficiente para explorá-lo, pois havia trabalhado em uma grande Casa de Fragrâncias, como são chamadas as indústrias que desenvolvem perfumes. Durante dois anos, deixei que outros personagens entrassem na história, que acontecimentos tomassem conta das páginas do livro. Encarnei a Lia diariamente, tentando encontrar a solução para os seus problemas. Recorri a lembranças minhas, passagens da minha vida, cenas, lugares visitados, sensações para rechear a ficção e conferir veracidade à história. Apaixonei-me perdidamente pelo livro, terminando as suas últimas linhas aos prantos, em clima de despedida. Que saudades imensas eu já sentia daquela gente. No final, o romance era também um pouco eu. E eu estava feliz.
Com o livro pronto, eu precisava tomar decisões. O que fazer com a minha obra? Entrar na fila de originais das grandes editoras? Correr o risco de esperar anos sem a certeza de ter o meu livro lançado? Recorrer a uma editora menor? Ou seguir o processo sozinha, sendo a editora de mim mesma, com todas as limitações que esta decisão traria? Segui o meu instinto e decidi bancar o meu sonho, do meu jeito. E isso exigiu estudar, eu precisava entender os passos para o lançamento de um livro. A primeira coisa a fazer era enviar o original para leitores críticos, alguns (poucos) conhecidos, bons leitores. Coisas óbvias, que passaram despercebidas no entusiasmo da escrita, foram apontadas, perguntas foram feitas. A partir dos comentários, reescrevi o livro, enriquecendo trechos que tinham potencial de expansão, aprofundando os personagens que mereciam mais atenção. Ao contrário do que eu esperava, este foi um exercício muito prazeroso, que rendeu mais de vinte versões da obra original, uma melhor do que a anterior. Era gostoso demais ver a evolução do texto, encontrar maneirismos novos para as personagens, explorar sentimentos que já estavam ali, naquelas páginas, esperando que eu os percebesse. Caprichei nos cenários, sem exagerar, acrescentei conflitos, e o texto foi encorpando. Não havia mais o que fazer, pelo menos da minha parte. Eu simplesmente havia chegado ao limite da minha competência. Neste momento, entrou em ação um exército de profissionais tão amigos quanto competentes.
O livro foi para as mãos da preparadora de texto. Ela apontou ajustes na redação para torná-la mais clara, coesa e envolvente. Identificou problemas na lógica da narrativa e oportunidades de aprimoramento da escrita. Assim, o Perfume de Lethes ficou pronto. Sim! Àquela altura o livro já tinha um nome (Lethes é um dos mais poderosos rios da mitologia grega, onde as almas mergulhavam antes de reencarnarem, para esquecer das vidas anteriores e poderem viver novas dores e novos amores com mais leveza). Era hora de uma boa revisão, um cuidado essencial para uma obra de respeito. Nenhum erro poderia passar, sob o risco de desmerecer o livro.
Enquanto isso, a capa estava sendo criada. Ela despertaria a curiosidade dos leitores e seria responsável pelo primeiro impacto nas prateleiras físicas e digitais. O fato de o artista plástico, além dos seus talentos, também ter lido o livro e se emocionado com ele foi determinante para o resultado.
A diagramação e a escolha do papel foram resolvidas, mas deram bastante trabalho. A história era delicada e exigia um papel de qualidade, leve e agradável ao toque. A fonte deveria ser confortável para ler. Para me certificar de que estava indo por um bom caminho, resolvi ir a campo, ver os livros em uma livraria. Assim, foi possível sentir as recomendações do diagramador na prática.
Havia burocracias também. Providenciar o selo ISBN, uma espécie de RG para obras publicadas, e o registro de autoria da obra na Biblioteca Nacional, uma questão de proteção dos direitos autorais. Uma parte chata, mas necessária. Feito isso, o livro pôde ir para a gráfica.
O lançamento colocou o Perfume de Lethes na estrada. E isso é só o começo de outra jornada, a da luta pela distribuição do livro e sua divulgação. O livro mora na minha cabeceira e, de vez em quando, me pego olhando para ele antes de dormir, pensando no que estaria acontecendo agora, se eu tivesse feito escolhas diferentes. Na vida e na arte, vivemos esse dilema.
*Lívia Velloso nasceu em São Paulo no ano de 1969. Formada em Comunicação, trabalhou na área de marketing de multinacionais e entrou para o mundo da perfumaria nos anos 2000, em uma grande Casa de Fragrâncias suíça, onde atuou como diretora de marketing e pesquisa de mercado. Hoje trabalha na área da educação, no Colégio Santa Cruz, mas continua uma apaixonada por perfumes.
Perfume de Lethes é sua estreia como autora.
Ora, ora, carambola!: conheça o livro infantil de Regina Schudo
Livros para celebrar o Dia dos Avós: “O dia em que minha avó envelheceu” e “Avôs e Avós”
Paula Parisot lança seu primeiro livro infantil “Muyerengué”
Madona dos Páramos, de Ricardo Guilherme Dicke, chega às livrarias
As dores e as delícias de ser mãe: livro traz a maternidade real para mulheres