​Cinco gerações sob um mesmo teto: relatos de dias insanos e enriquecedores

A arte de conviver diariamente com cinco gerações diferentes e a beleza disso

Ligia Kallas* Publicado em 27/11/2024, às 06h00

Diferentes gerações aprendem umas com as outras -

Todas as segundas-feiras são diferentes aqui no escritório. Desde o presidente ao assistente, todos estão aqui e esse é, com certeza, o dia mais insano da semana. Não apenas no sentido de ser o D-Day, mas de termos tanta pluralidade ocupando o mesmo teto, simultaneamente. E foi em uma segunda-feira, sentada à mesa com minha equipe – os ouvindo falar, embasbacada, sobre uma ferramenta que transcreve áudios de whatsapp – que me dei conta da magnitude do que estava vivenciando ali. Hoje, em um dia de trabalho, tenho a oportunidade de conviver com 5 gerações distintas: eu mesma, millennial de carteirinha; meu irmão e CEO, geração X; meu pai e presidente da companhia, boomer; minha filha de 6 anos (alpha) e minha equipe formada pela Geração Z. Isso é histórico.

Minha equipe, atualmente, é formada por oito pessoas. Dessas, apenas seis têm o dia a dia próximo a mim – tenho ainda dois coordenadores que trabalham em filiais pelo Brasil. Dos seis ‘diários’, cinco têm entre 20 e 24 anos e um completou esse ano suas 40 primaveras. Diariamente, me relaciono com seres humanos de ‘formatação’ absolutamente diferente da minha. É incrível a equipe que me cerca. Mesmo pertencendo a uma geração só, todos que estão aqui carregam uma característica distinta marcante – e em alguns momentos, isso até me faz questionar o quanto essa geração Z é homogênea.

Ligia Kallas

 

Ouço meu time falar sobre temas diversos e a abordagem que trazem a cada um desses respectivos tópicos me ensina e me empenha a ensinar todos os dias. Desde assuntos novos e inovadores, como o uso da IA, até temas familiares como racismo, LGBTfobia e política, a opinião e construção que essa geração carrega me deixa estarrecida. A leveza na discussão, a não-imposição de padrões ou pontos indiscutíveis e o convite ao debate me remetem a pensar em todas as outras gerações que me cercam. Algumas mais pré-determinadas a acertar e perpetuar pensamentos e outras em desconstruções diárias de ideias pré-concebidas - são múltiplas as realidades.

 

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Meu pai tem 79 anos. Um homem forte e reconhecido nacionalmente por sua profissão e pelo legado construído. Um senhor de uma época diferente, em que homens e mulheres ocupavam posições sociais e culturais muito diversas, em que a construção de uma carreira se sobressaia a muitas outras conquistas pessoais. Ele vem de um momento histórico no qual a certeza do tradicional, como uma verdade absoluta, era garantida. Meu pai, presidente da empresa em que trabalho, é um homem de costumes, certezas e hábitos. Mestre que ensinou e ensina milhares de pessoas à sua volta, seja com seus conhecimentos profissionais, seja com a ‘vivência’ que seus quase 80 anos o permite. E é essa bagagem, aliada a sua formação em anos tão diferentes dos que vivemos, que o torna tão único e enriquecedor.

Mas, como toda certeza absoluta, a obviedade de carregar a verdade nos torna obsoletos. O novo sempre vem. Os Boomers vieram de uma criação pós-guerra,  em que o crescimento e a ascensão pessoal representavam mais que sucesso: representavam o reerguimento econômico e social do mundo. A visão de que os padrões construídos precisavam ser reafirmados e a ordem pública retomada deu a essa geração a certeza – quase a necessidade – de estabelecer rígidas normas e conceitos. Tão na contramão disso surgem as gerações  Z e Alpha.

A Geração X, à qual meu irmão mais velho pertence, foi a primeira a se formar e conhecer um padrão possível, fora do tradicional e, às vezes, arcaico. Temos aqui um público que busca se consolidar e estabelecer economicamente, mas começa a reconhecer a vida e desenvolvimento pessoal como também valiosa. A Geração Coca-Cola, apelidada assim frente ao consumismo, característico do período, ao meu ver é a ponte entre o que estava escrito em pedra e a possibilidade de reinventar e reescrever, todos os dias.

Sou mãe de uma menina de 6 anos. A Júlia é uma das crianças mais incríveis que conheço. Sempre a eduquei e criei para que suas palavras e pensamentos fossem suas maiores armas, ou trunfos. Isso acontece talvez por ela ser fruto de  uma geração que se viu obrigada a confrontar um mundo velho – duro e engessado – com um novo universo  onde as pessoas buscariam a liberdade e autonomia.. Dessa educação, da criação que ofereço a ela, vem muito mais que a possibilidade de assistir seu crescimento; observo diariamente a construção de seus pensamentos e como sua percepção e valores conversam com a realidade. 

Minha filha já me repreendeu enquanto eu amaldiçoava uma senhora que demorava a fazer uma baliza e já me ensinou – e foi literalmente uma aula – a usar tecnologias que pra mim eram desconhecidas. A Júlia me lembra, sempre, que cada um é como deve ser e respeito se deve a todos, ou todes. Um ser humano em construção, com um sexto de vida comparado a mim, me apresenta diariamente a necessidade de desconstruir, de reinventar, de aprender e moldar, de novo e de novo.

E que exercício ingrato esse! Pra mim, chega a ser custoso reconhecer que não há verdade absoluta – apesar de meus pais afirmarem que sim –, entender que talvez não seja tão urgente empregar pronomes e terminologias para pessoas, mas que é ‘para ontem’ admitir a individualidade de cada um. Absorver que não vai ser possível viver apenas para correr atrás do meu sonho, que estabilidade e responsabilidade são componentes fundamentais para meu amadurecimento, mas que não é viável abandonar meus ideais para caber em algum lugar. 

Tenho feito o exercício de olhar para trás e recolher tesouros cravados no passado, em que  pessoas eram, muitas vezes, espectadoras de grandes eventos, ao mesmo tempo em que reconheço minha imensidão e a possibilidade de carregar o mundo no bolso. Isso é o que torna, não só às segundas-feiras, mas todos os dias insanos e, simultaneamente, enriquecedores. .

*Por Ligia Kallas, Head de Marketing na Kallas Mídia OOH

 

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