A ativista Laura Prevato compartilha sua história enquanto transsexual, e fala da importância de lutar pelo respeito das pessoas da comuidade LGBTQIAP+
Laura Prevato* Publicado em 04/10/2022, às 06h00
A violência contra pessoas trans e travestis começa dentro de casa, e isso vai sendo reproduzido em todos os outros pilares sociais.
Eu sofri por algumas vezes violência doméstica, sendo que em uma delas, além das agressões, tive os cabelos completamente cortados. Hoje em dia, estima-se que 49% das agressões são no ambiente familiar, por parentes, motivadas unicamente pela condição da vítima ser uma pessoa ser trans.
Um dos fatores que fomentam a violência contra pessoas trans e travestis vai de encontro à privação de direitos dessas pessoas, que são vistas como subhumanas, tendo suas vidas acometidas por toda uma sociedade. Os fatores etnicoracial e de classe também influenciam, e muito, já que 58% das agressões ocorridas são contra mulheres trans e travestis negras, pardas e indígenas - isso sem contar nos homicídios.
Em 2019, o Brasil registrou 163 transcídios, levando em conta só o que foi classificado como tal, pois ainda lidamos com esse agravante da subnotificação. Desses casos, 158 eram mulheres trans ou travestis, 2 pessoas não binárias e 3 homens trans. Desses 163 assassinatos, 82% das pessoas eram negras e pardas.
Outra realidade chocante é a expectativa de vida dessa população: 35 anos. Lembrando que a média para a população geral é de 76 anos, ou seja, mais que o dobro da nossa população.
11 pessoas trans são agredidas fisicamente por hora, isso sem contar as agressões psicológicas. Nesses últimos 5 anos, a violência contra pessoas trans e travestis aumentou em quase 1.000% . As leis existem, também avançamos nisso, mas o problema é se fazer valerem essas leis. Assim como as mulheres, as pessoas trans e travestis estão mais vulneráveis pela sua condição de gênero.
Portanto, é necessário intersceccionalizar todas essas pautas, e que haja um enfrentamento em conjunto, o que infelizmente está longe de acontecer, pois uma parte das mulheres cis também não reconhecem mulheres trans e travestis como mulheres.
Precisamos lutar pelas questões de acessos básicos à educação, saúde e empregabilidade, bem como o auto reconhecimento como sujeito de direito e a inserção social como um todo. Somos estigmatizadas e submetidas onde a “cisciedade” nos colocou, que é na prostituição. Eu nunca optei por me prostituir, mas já lavei muita privada, o que também não é desabono algum. Mas será que se eu não fosse parte de um grupo vulnerável, passaria por essa experiência? Acredito que não. E isso só acontece graças a um local de subserviência que fomos colocadas, assim como as demais imposições que fomos e somos submetidas por uma sociedade cisheteronormartiva, que só nos vê e oferece posições consideradas “inferiores”.
Eu trabalho desde os meus 16 anos e em todos os espaços de trabalho fui submetida a inúmeras violências e situações de constrangimento. Já cheguei a dormir na rua, sem perspectiva nenhuma de como superar aquilo, e sem ter o que fazer. Muitas vezes pensei em desistir e dar fim na minha própria vida. Mas minha resiliência superou isso, afinal, ser travesti é ser resistência e enfrentar tudo de peito aberto até as últimas consequências.
Eu não escolhi ser assim, eu nasci assim e enfrento tudo pela liberdade de ser quem sou! Por isso eu peço que reflitam, saiam da bolha e parem de achar que vivemos assim por opção! Vocês aguentariam viver enquanto trans ou travesti dentro dessa sociedade totalmente parcial e cheia de preconceitos? Quem aqui gostaria de ter o mesmo tratamento que as trans e travestis recebem da sociedade? Aposto que ninguém.
Portanto, vamos olhar para essa população não apenas com mais empatia, mas se aproximem dessa realidade, deixando de lado o binarismo e a cisgeneridade e tentem criar algum laço conosco. Não por pena, caridade, ou por puro assistencialismo, mas por equidade, pra que o preconceito seja extinto e que a violência não roube o protagonismo de nossas histórias e sim que sejamos nós mesmas enquanto pessoas que somos!
Janeiro já está aí, e junto dele mais um mês da Visibilidade Trans e Travestis. Não venham só celebrar e com a gente. Nos ajudem a rompermos com esses estigmas e lutem conosco pela naturalização dos nossos corpos e pelo fim do proibicionismo que é o grande responsável por nossas dores e violências e assim quem sabe um dia consigamos ocupar todos os espaços!
*Laura Prevato é ativista dos direitos LGBTQIAP+
Scaffold Education e Diaspora Black lançam conteúdo sobre diversidade nas empresas
Num mundo inclusivo, pessoas com deficiência vão às compras sozinhas
Inclusão e diversidade são diferenciais para 76% de quem busca emprego, diz pesquisa
“Down Quixote”, filme com elenco 100% composto por atores com síndrome de Down, estreia dia 1 de setembro
O coletivo Digitais Pretas chega à cidade de Gramado- RS