Mas seria isso mesmo? A Burnout já não era considerada uma doença relacionada ao trabalho?
Priscila Arraes Reino* Publicado em 25/01/2024, às 06h00
Em novembro do ano passado foi veiculada a notícia de que a Síndrome de Burnout e mais de uma centena de outras enfermidades teriam sido, enfim, incluídas entre as doenças relacionadas ao trabalho no Brasil, com a publicação da Portaria 1.999 /2023, que depois de 24 anos, atualizou a lista de doenças relacionadas ao trabalho.
Embora diversos sites, inclusive jurídicos, tenham veiculado a notícia de que a Síndrome de Burnout teria sido incluída entre as doenças ocupacionais, a verdade é que o Burnout já constava entre as doenças relacionadas ao trabalho desde a Portaria 1.339/1999.
A atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho era mesmo esperada, para a inclusão de outras causas de adoecimento que pudessem ter no trabalho, um papel fundamental para o seu desencadeamento. Essa atualização veio com a nova portaria, que passou a vigorar no dia 29.12.2023, 30 dias após ser publicada.
Porém, se a Síndrome de Burnout já constava na lista original de 1.999, qual teria sido a razão do desencontro de informações na mídia e no universo jurídico?
A nova portaria foi mesmo um avanço. Trouxe de maneira mais clara os agentes e riscos ocupacionais para o desenvolvimento da síndrome. Provavelmente está nesse fato a origem da confusão.
A portaria inaugural previu a Síndrome de Burnout entre os transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho, Grupo V da CID-10, descrevendo que a Síndrome de Burnout teria entre os agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional o ritmo de trabalho penoso e outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho
Já a portaria de 2023 traz de maneira mais ampla outros fatores de risco, inclusive mencionando expressamente os fatores de natureza psicossocial, quais sejam:
gestão organizacional;
organização do trabalho;
relações sociais no trabalho;
conteúdo das tarefas do trabalho;
condição do ambiente de trabalho;
interação pessoa-tarefa;
jornada de trabalho;
violência e assédio moral/sexual no trabalho;
discriminação no trabalho;
risco de morte e trauma no trabalho.
É importante dizer que a previsão dos riscos psicossociais potencialmente causadores da Síndrome de Burnout na portaria facilita sobremaneira o trabalho de prevenção, fiscalização, e mesmo de punição dos responsáveis pelo adoecimento do trabalhador, uma vez que se trata de um reconhecimento formal de tais riscos psicossociais como ocupacionais.
Na prática, o reconhecimento das doenças relacionadas ao trabalho a partir da previsão dos riscos psicossociais ficará mais fácil, permitindo que os trabalhadores tenham o acesso facilitado aos direitos trabalhistas e previdenciários quando comprovarem a presença dos riscos psicossociais apontados na portaria atualizada.
Uma das entusiastas dessa iniciativa é a jornalista Izabella Camargo, hoje, embaixadora do “Janeiro Branco” e idealizadora do movimento pela Produtividade Sustentável, busca através de suas palestras e debates, ressaltar a importância de não ignorar os sinais de esgotamento buscando quebrar tabus, reduzir estigmas e promover o diálogo coerente sobre temas que afetam a produtividade e a saúde. Diagnosticada com Síndrome de Burnout há cinco anos, Izabella reafirma que a síndrome de burnout, caracterizada pelo esgotamento emocional e físico, é reconhecida como uma doença ocupacional, afetando profissionais de diversas áreas, mas principalmente professores, advogados, jornalistas, policiais e servidores públicos. “Nenhuma profissão está blindada ao burnout. Mas, profissionais que não podem errar e vivem sob pressão constante tem mais chances de adoecer,” completa.
Vale a pena dizer que os trabalhadores que adoecem e ficam incapacitados temporária ou definitivamente para o trabalho em razão de uma doença ocupacional podem ter direitos trabalhistas e previdenciários como:
direito ao afastamento do trabalho percebendo o benefício B91 junto ao INSS;
estabilidade no emprego por 12 meses, a contar da recuperação e retorno ao trabalho;
indenização pelos danos morais, em razão do sofrimento decorrente do adoecimento e incapacidade;
reparação dos danos materiais, neles incluídos o ressarcimento de todos os custos do tratamento, lucros cessantes e pensão mensal;
indenização pelos danos existenciais, quando o trabalhador tiver seu projeto de vida alterado em razão do adoecimento;
aposentadoria integral, caso a incapacidade se torne permanente.
Podemos dizer que o Brasil andou à frente da Organização Mundial de Saúde/OMS que somente na revisão da CID 11 em 2019, reconheceu que a Síndrome de Burnout é uma doença relacionada ao trabalho.
Quanto à atualização da lista, há, sim, motivos para se comemorar.
*Priscila Arraes Reino é advogada especialista em doenças ocupacionais
Insônia, exaustão e solidão? Entenda o que é o burnout digital e como evitá-lo
Romantização da maternidade e os impactos na saúde mental causados pela idealização do maternar
Síndrome de burnout atinge quase 1/3 dos professores da educação básica, revela pesquisa da Unifesp
Burnout materno: Acúmulo de funções pode causar o esgotamento mental
Síndrome de Burnout afeta um em cada cinco brasileiros