Acesso a óculos poderia aumentar renda de crianças no futuro

Cerca de 800 mil crianças brasileiras convivem com problemas oftalmológicos não corrigidos, como miopia, astigmatismo e hipermetropia. Óculos são a solução

Gustavo Bonfadini* Publicado em 05/12/2024, às 06h00

Crianças devem ir ao oftalmologista -

Problemas de visão não corrigidos estão entre os principais fatores que prejudicam o desempenho escolar de crianças em todo o mundo. Dados do Global Burden of Disease (GBD) revelam que aproximadamente 800 mil crianças brasileiras convivem com problemas oftalmológicos não corrigidos, como miopia, astigmatismo e hipermetropia. Esses problemas afetam não apenas o aprendizado, mas também comprometem a qualidade de vida e as oportunidades futuras de desenvolvimento econômico e social.

A Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira realizou um estudo que traz uma conclusão alarmante e, ao mesmo tempo, reveladora: o acesso a óculos de grau não só poderia evitar perdas no aprendizado, mas também aumentar significativamente os ganhos financeiros ao longo da vida. De acordo com o estudo, uma criança que recebe o tratamento adequado para problemas de visão pode, ao atingir a vida adulta, aumentar sua renda em até R$ 296,5 mil. Em escala global, a correção de problemas refrativos não corrigidos poderia adicionar mais de US$ 200 bilhões à economia mundial.

Diversos fatores contribuem para essa situação preocupante. Entre os principais estão a falta de acesso a exames oftalmológicos regulares, o custo elevado de óculos de grau em determinadas regiões e a falta de conscientização dos pais e cuidadores sobre a importância da saúde ocular. No Brasil, muitas crianças em idade escolar, especialmente em comunidades de baixa renda, nunca passaram por um exame de visão. Infelizmente essa lacuna na atenção à saúde ocular perpetua ciclos de desigualdade educacional e econômica.

 

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A relação entre visão e desempenho escolar é direta e comprovada. Estudos mostram que cerca de 80% do aprendizado de uma criança ocorre por meio da visão. Crianças que têm dificuldades para enxergar a lousa, livros ou telas digitais ficam em desvantagem em relação aos colegas, o que pode levar a taxas mais altas de reprovação e abandono escolar.

Um estudo realizado na China, publicado pela revista The Lancet Global Health, analisou crianças em idade escolar e constatou que aquelas que receberam óculos para correção de problemas refrativos de grau do olho, tiveram um desempenho acadêmico significativamente melhor. Esse impacto positivo se traduz, no futuro, em melhores oportunidades de emprego e renda.

A falta de correção adequada não apenas prejudica o aprendizado, mas também pode agravar problemas oculares preexistentes. Para um desenvolvimento adequado o olho precisa enxergar bem até os 6-8 anos de idade, se houver um grau não corrigido a tempo, a criança pode ficar com uma deficiência visual definitiva, chamada de ambliopia.

Outra condição potencialmente grave é a Miopia progressiva, por exemplo, é uma condição em que a visão de longe continua piorando ao longo da vida, especialmente em crianças. Sem intervenção precoce, problemas que poderiam ser tratados de forma simples podem evoluir para condições mais graves, como o descolamento de retina ou glaucoma.

 

Para mudar esse cenário, a solução passa por iniciativas em diferentes frentes

Exames médicos oftalmológicos regulares: Implementar programas de triagem visual em escolas, especialmente em comunidades carentes, é essencial para identificar e tratar precocemente problemas de visão.

Políticas públicas de acesso a óculos: Subsidiar ou oferecer gratuitamente óculos de grau pode fazer uma diferença significativa para milhões de crianças.

Conscientização: Campanhas educativas para pais, professores e cuidadores sobre a importância da saúde ocular podem aumentar a demanda por exames e tratamentos.

No Brasil, iniciativas como os programas de triagem oftalmológica do Sistema Único de Saúde (SUS) e parcerias públicoprivadas têm mostrado resultados positivos. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que nenhuma criança seja deixada para trás devido à falta de acesso a óculos.

Investir na saúde ocular infantil não é apenas uma questão de justiça social, mas também um imperativo econômico. Dar a uma criança a chance de enxergar claramente é abrir portas para um futuro mais brilhante e próspero — para ela e para a sociedade como um todo.

 

*Gustavo Bonfadini é médico oftalmologista

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