Entenda a importância de uma análise crítica ao consumir informações sobre saúde nas mídias sociais
Kald Abdallah* Publicado em 02/09/2025, às 06h00
Por mais de 20 anos eu trabalhei desenvolvendo pesquisas para gerar evidências cientificas sólidas para o tratamento do câncer e fico abismado como o termo “baseado em evidências” foi sucateado. A maioria das alegações de "baseada em evidências" nas mídias sociais é basicamente balela. Essa desconfiança minha diante de tanta informação mal concebida reflete o padrão esperado do que é a verdadeira evidência científica. Gostaria de utilizar como padrão ouro as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network (NCCN). A diferença metodológica entre o consenso da NCCN e todas as recomendações provenientes da mídia social que são "baseadas em evidências" não poderia ser maior.
O padrão de excelência da NCCN no tratamento do câncer demonstra o que uma recomendação científica verdadeira implica. Suas diretrizes são o auge da medicina baseada em evidências porque seguem critérios inegociáveis. A NCCN utiliza uma hierarquia de evidência rigorosa, priorizando meta-análises e Ensaios Clínicos Randomizados e Controlados (ERCs) bem conduzidos, e é totalmente transparente quando os dados são limitados. Suas decisões não vêm da opinião de um único indivíduo, mas de um consenso multidisciplinar de centenas de especialistas de ponta. Além disso, as diretrizes são dinâmicas e continuamente atualizadas (às vezes mensalmente) para incorporar novas descobertas, demonstrando que o conhecimento científico não é estático.
Em forte contraste, a "balela" da mídia social se apoia em uma fundação falha. As alegações são frequentemente baseadas em evidências de baixíssima hierarquia, como anedotas pessoais ("funcionou para mim!"), estudos fracos com amostras minúsculas e sem controles, ou a perigosa confusão entre correlação e causalidade. Um influencer pode postar "Comecei a fazer X e me sinto muito melhor!", apresentando uma correlação como prova de causalidade. A falta de um processo de revisão por pares, onde outros cientistas avaliam criticamente a metodologia, faz com que essas "evidências" careçam de qualquer validação externa, sendo apresentadas como fato sem o devido escrutínio.
Outro erro comum nas afirmações baseadas em evidência que eu vejo nas mídias sociais é a utilização ou discussão de um artigo científico isoladamente, sem contextualizar este resultado da pesquisa diante de todas as outras pesquisas já publicadas. Não há uma discussão a respeito de evidências que apontem o contrário, de limitações daquela pesquisa, de opções diferentes para abordar o mesmo problema, do impacto daquela recomendação do ponto de vista de risco, do custo-benefício, entre outros aspectos. Uma coisa é falar do resultado de uma pesquisa científica, a outra é contextualizar um resultado diante de todo o corpo de evidências que existe, sintetizando uma recomendação clara que leva em consideração todas as opções, riscos e populações. Sintetizar a ciência é extremamente trabalhoso e muito poucas recomendações feitas na mídia social refletem uma síntese científica de qualidade.
Essa fragilidade é amplificada por vieses e conflitos de interesse. Muitas "recomendações baseadas em evidências" nas mídias sociais vêm de indivíduos ou empresas com alto potencial para viés e conflito de interesses, que estão promovendo produtos ou serviços ligados à própria "descoberta". O viés de confirmação entra em jogo, com o divulgador buscando e apresentando apenas o que corrobora suas crenças, ignorando dados contraditórios. As plataformas de mídia social, com seus algoritmos, exacerbam esse problema, criando bolhas de filtro onde as pessoas são expostas apenas ao que já acreditam, tornando a busca pela verdade um desafio ainda maior.
Para navegar este mar de desinformação, é necessário ter uma abordagem sistemática. Quando você está diante de uma recomendação “baseada em evidência”, antes de tomar uma atitude e segui-la cegamente, vale a pena se perguntar:
Diante do volume de informações e da facilidade com que "evidências" são fabricadas ou distorcidas, seu papel é o de um consumidor ativo e crítico de informação. A sua desconfiança é um sinal de inteligência. A única forma de separar o que é cientificamente sólido do que é apenas "balela" disfarçada de ciência é exigir o nível de escrutínio, metodologia, consenso e transparência que se vê em padrões como os da NCCN. Esse discernimento não só o protegerá de informações enganosas, mas também fortalecerá seu próprio pensamento crítico, uma habilidade essencial para navegar o mundo complexo de hoje com muito mais clareza e segurança.
Um grande abraço do Kald.
*Meu nome é Kald Abdallah, sou paranaense, cresci numa pequena cidade no norte do Paraná chamada Borrazópolis. Eu sou médico formado pela Universidade Estadual de Londrina (minha querida UEL). Fiz residência e doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em Boston nos EUA. Já trabalhei na prática clínica, como professor de medicina, executivo e pesquisador. Há 23 anos me dedico a luta contra o câncer, nos últimos 17 anos morando e trabalhando aqui nos EUA. Recentemente, comecei um projeto que tem sido uma verdadeira paixão para mim: o Conexão Sapiens – A ciência desvendando você! É um podcast que busca ir além das estórias passageiras, oferecendo uma exploração profunda e duradoura com o objetivo de sintetizar a ciência no apoio a sua jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo. Esta síntese é o resultado de mais de 2 décadas de estudo.
Convido você a participar dessa jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo comigo!
Por favor divulgue e para ouvir o podcast, acesse uma das plataformas abaixo:
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*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres
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