Quando ser criança virou transtorno

Existe uma pressão muito grande para diagnosticar o comportamento das crianças, que nem sempre é necessária.

Larissa Fonseca* Publicado em 13/05/2025, às 06h00

Entenda que o comportamento da criança nem sempre se torna em um diagnóstico -

Atualmente virou moda: criança que sobe na cadeira, responde atravessado, faz birra ou esquece o caderno foi diagnosticada com algum transtorno.            

Profissionais e adultos distribuem rótulos como se fossem figurinhas no recreio: "Ah, ele é TDAH."; "Acho que é TOD."; "Hum... autismo leve!"; "Não é possível, fulano só pode ter algo!"

Calma! Antes de diagnosticar uma criança porque ele não quis copiar a lição ou porque ficou inquieta na fila, vale lembrar: ser criança é, por si só, um transtorno... para o adulto que esqueceu como é ser criança.

Transtornos existem! Existem crianças que precisam e merecem ser diagnosticadas corretamente, receber apoio, terapias e acolhimento. Reconhecer transtornos de forma responsável é um avanço.

A diferença está em entre observar sinais consistentes de alerta e transformar qualquer comportamento fora da cartilha "criança ideal" em atestado médico. Ex: Andar na ponta dos pés pode ser só brincadeira; Desviar o olhar? Talvez distração ou timidez; Brigar no parquinho? Socialização; Chorar por roupa molhada? Construção emocional; Contestação de regras? Exercício de autonomia (spoiler: isso vai ser ótimo na vida adulta); Insistência em brinquedo favorito? Preferência, não obsessão; Rejeitar roupas “pinicando”? Parte do desenvolvimento sensorial e da formação de paladar. Aquela criança que escolhe sempre o mesmo brinquedo pode estar buscando segurança, um jeito de controlar o pouco que consegue controlar em seu ambiente. O filho que tem seletividade alimentar pode estar apenas se ajustando a novas texturas e sabores, algo que é completamente comum para a faixa etária. A criança que “não para quieta” ou a que tem dificuldade em ficar sentada por longos períodos não tem TDAH, ela só tem energia de criança! E, sim, isso inclui as birras, os momentos de descontrole, a vontade de experimentar tudo de uma vez.

Veja também

Precisamos olhar para o comportamento da criança como um pedido de ajuda, de atenção, de pertencimento. Liderar a criança com presença forte e acolhedora, ao invés de terceirizar desafios para diagnósticos.

Lidar com certos comportamentos é desafiador. Mas é preciso equilíbrio e reconhecer que parte dos comportamentos que nos desafiam faz parte do desenvolvimento normal da infância. Nosso papel é acolher, orientar e construir estratégias, sem precipitar rótulos, sem transformar cada dificuldade em diagnóstico.

Antes de buscar laudos, vale refletir: Estou oferecendo tempo e espaço para meu filho ser criança? Criei um ambiente seguro para ele errar e aprender? Ofereço limites claros com empatia? Ouço e tento entender o que ele comunica com o comportamento? Ajusto minhas estratégias para as diferentes necessidades?

Às vezes, a resposta é simples: seu filho não está desafiando você, ele está tentando se expressar.

Ser criança é normal. Não é transtorno.

A infância está cada vez mais tolhida. Adultos com menos paciência e um mundo acelerado limitam as crianças e roubam delas o direito ao brincar, explorar e aprender livremente.

As crianças continuam precisando de tempos, espaços e oportunidades para se desenvolverem plenamente, assim como nós quando éramos crianças e todas as gerações passadas. As crianças estão desesperadamente buscando onde, como e quando poderão vivenciar aquilo que precisam para se desenvolver de maneira saudável e global.  Elas precisam de tempo, de espaço, de brincadeira e de exploração. E, se isso não é dado a elas, vão encontrando alternativas para suprir essas necessidades, muitas vezes, em comportamentos que nos parecem difíceis ou inadequados e que precisam ser entendidos, não rotulados.

Vamos parar de terceirizar para diagnósticos aquilo que, muitas vezes, é nossa responsabilidade educativa.

Sim, é desafiador. As pressões são grandes, o tempo é curto e a paciência, muitas vezes, parece se esgotar rapidamente. Mas precisamos lembrar que, muitas vezes, as crianças só estão sendo... crianças. Elas estão vivendo o processo de aprendizagem e crescimento, e isso, inevitavelmente, envolve errar, testar limites, experimentar e até, muitas vezes, se frustrar.

Crianças precisam de tempo para viver sua infância, sem pressa de virar adulto.

Portanto, em vez de buscar diagnósticos rápidos, que tal refletir sobre como estamos permitindo que nossos filhos sejam apenas... crianças?

Porque, no final, ser criança é um processo bagunçado, desafiador e cheio de descobertas e isso é, sim, absolutamente normal.

 

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres

diagnóstico comportamento desenvolvimento transtorno Emoção

Leia mais

Casal de advogados cria loja de brinquedos com atendimento personalizado para crianças neurodivergentes


Profissionais com filhos apontam atitudes que consideram inaceitáveis no mercado de trabalho, revela pesquisa


Estrabismo: entenda a condição e a importância do diagnóstico ainda na infância


Brincar em sala de aula é estratégia eficaz para promover a educação infantil integral


Dia das Crianças: compra e venda de brinquedos antigos em alta em plataforma online