A criança pequena precisa ir para a escola?

Reflexões sobre a importância da convivência e experiências que moldam a infância, além do papel da escola na vida da criança pequena

Larissa Fonseca* Publicado em 25/11/2025, às 06h00

Colocar ou não uma criança pequena na escola são caminhos diferentes, com ganhos e desafios em cada um. - Foto: Canva Pro

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Essa é uma pergunta que desperta paixões, opiniões firmes e, muitas vezes, insegurança. De um lado, quem defende que a infância deve ser vivida no aconchego da família, com tempo livre e rotina doméstica. De outro, quem acredita que a escola é
essencial desde os primeiros anos de vida. Mas será que existe uma única resposta
possível?

A verdade é que não. Quando falamos sobre a criança pequena ir ou não para a
escola, estamos tratando de uma decisão que envolve muitos fatores: emocionais, sociais, familiares, de saúde e até de maturidade dos adultos envolvidos. É impossível reduzir essa escolha a um simples “sim” ou “não”.

Antes de tudo, é preciso perguntar: para qual escola essa criança vai? Que tipo de
ambiente ela encontrará ali? A escola oferece brincadeiras, movimento, experimentação, vivências artísticas e sociais, ou é um espaço de conteúdo precoce e atividades sentadas? Porque, se estivermos falando de uma escola como a infância merece, um lugar de descobertas, convivência e experiências que ampliam o repertório da criança, então estamos diante de algo muito valioso.

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É nesse tipo de espaço que a criança aprende a dividir, a esperar a vez, a se expressar, a lidar com frustrações e a desenvolver autonomia. Mas é claro que há crianças que vivem em ambientes familiares ricos, com estímulos adequados e presença afetiva. Nesses casos, a entrada na escola pode acontecer um pouco mais tarde, sem prejuízos significativos. O que não se pode é transformar essa decisão em regra universal.

Também é importante acalmar o coração das mães que sentem culpa ao colocar o filho na escola cedo. Colocar o filho pequeno na escola não é terceirizar a educação. A educação familiar e a escolar têm naturezas diferentes e se complementam. A relação com a mãe é única e insubstituível, mas a convivência com professores e colegas traz aprendizados igualmente importantes e um tipo de vínculo que só nasce da vida coletiva. Em casa, a criança tem atenção exclusiva. Na escola, aprende a viver em grupo, a dividir espaços e afetos, a perceber que o mundo não gira apenas em torno de si. Tudo isso é fundamental para o desenvolvimento humano.

Outro ponto importante é a saúde. Quando a criança começa a frequentar a escola,
é natural que apareçam resfriados, pequenas viroses e situações de adaptação. Algumas famílias optam por postergar a entrada para evitar isso, especialmente antes da vacinação completa, e essa é uma escolha legítima. Por outro lado, muitos profissionais e estudos indicam que a exposição gradual a novos ambientes e pessoas fortalece o sistema imunológico.

Crianças superprotegidas, que vivem em ambientes excessivamente controlados,
acabam desenvolvendo mais alergias e baixa imunidade. O corpo aprende a se defender quando é desafiado e a infância é justamente o momento de construir essas defesas. Até isso varia conforme o estilo de vida da criança. Aquela que convive com irmãos, brinca ao ar livre, tem contato com a natureza e com outras pessoas desde cedo, tende a ter uma imunidade naturalmente mais fortalecida e a adoecer menos no início da vida escolar. Já as que vivem em ambientes mais fechados e com poucas vivências costumam sentir mais essa adaptação. É um processo individual, e deve ser olhado com cuidado e sem comparações.

Outro aspecto essencial é a maturidade da família. Não basta decidir colocar o filho na escola se os pais ainda esperam que a escola funcione como uma extensão da casa. Se é uma família que se desespera a cada arranhão, que quer que os horários da escola se ajustem ao ritmo da criança, ou que espera que a professora aja exatamente como os pais agiriam, talvez não seja o momento certo.

A escola é um espaço coletivo, com suas próprias dinâmicas, ritmos e aprendizados. A criança vai se frustrar, vai cair, vai se sujar, vai ter conflitos e tudo isso faz parte do desenvolvimento saudável. A família precisa confiar no processo, respeitar o papel da escola e entender que o cuidado oferecido ali é diferente, mas igualmente importante.

E há, claro, o aspecto emocional dos cuidadores. Como está essa mãe que fica o dia inteiro com o filho? Está feliz, presente, conectada? Ou está exausta, sobrecarregada
e emocionalmente distante? Presença física não é o mesmo que presença emocional. Às vezes, uma mãe que trabalha fora o dia inteiro, mas chega inteira, disponível e amorosa, está mais presente na vida do filho do que aquela que passa o dia junto, mas desconectada e sem energia.

Por isso, talvez a pergunta mais importante não seja se a criança deve ou não ir para a escola, mas como está o ambiente em que ela vive. Como é a rotina em casa? Há convivência com outras crianças? Há tempo de qualidade? A escola escolhida respeita a infância?

Essas são as reflexões que realmente importam. Não existe um modelo único, nem um caminho certo para todos. O que existe é o que funciona para cada família, em cada
momento.

A escolha de colocar ou não uma criança pequena na escola não deveria ser motivo
de culpa nem de disputa. São caminhos diferentes, com ganhos e desafios em cada um. O importante é que a decisão seja feita com consciência, amor e coerência sem glamourizar, sem condenar e, principalmente, sem confundir opinião com verdade.

Porque, no fim das contas, o que forma uma criança não é apenas a escola nem o lar, mas o conjunto de experiências vividas com presença, vínculo e afeto dentro e fora de casa. 

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

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