Economia do Cuidado: trabalho invisível das mães precisa ser valorizado pela lei e pela sociedade

Entenda porque o reconhecimento da Economia do Cuidado é importante para corrigir desigualdades de gênero

Carlos Alberto Santana*, Douglas Ribas Jr.* Publicado em 05/09/2025, às 09h00

Há várias formas de cuidado - pexels

O propósito desse artigo é chamar a atenção para um tema que reflete a realidade de muitas mulheres, mas que por vezes passa despercebido: a economia do cuidado. Esse é aquele tipo de assunto que, ao nos darmos conta, gera um clique na cabeça, uma mudança de chave! Através de linguagem simples vamos procurar explicar porque as tarefas relacionadas ao cuidar devem ser tidas como um trabalho e como a lei vem, aos poucos, reconhecendo sua fundamental importância.

O que é essa tal de Economia do Cuidado?

Economia do Cuidado é todo e qualquer trabalho diário e essencial de cuidar de alguém: dos filhos, dos idosos, das pessoas com alguma deficiência ou doença. O conceito diz respeito, ainda, ao ato de cozinhar, alimentar, proporcionar higiene, transportar para a escola, passando pela gestão da casa, das finanças da família e daquele suporte emocional cujo valor não é passível de aferição.

O grande ponto é que, historicamente, esse trabalho é majoritariamente realizado por mulheres que na maioria das vezes não são remuneradas, tampouco contam com o devido reconhecimento. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que as mulheres fazem mais de 76% de todo o trabalho de cuidado não pago. Essa notável desproporção frente às tarefas cotidianas impõe às mulheres imensa sobrecarga e é uma das raízes da desigualdade de gênero. Escrevemos esse artigo na expectativa de demonstrar como o Direito pode - e deve - mudar para reconhecer o valor da Economia do Cuidado e sua importância econômica-social.

Como o Direito de Família pode valorizar quem cuida?

O Direito tem um papel crucial para corrigir a invisibilidade da Economia de Cuidado. Destacamos os principais pontos:

  1. Guarda dos filhos: Em regra, mesmo com a guarda compartilhada, enquanto os pais assumem um número menor de tarefas e períodos mais curtos nos quais devem dispensar atenção aos filhos, cabe às mães a maior parte dos cuidados para com os filhos. Não raramente tal situação gera um hiato, um “apagão profissional” na carreira das mulheres que precisam abrir mão de cargos e oportunidades, ao passo que os pais têm mais tempo para suas atividades profissionais. Ora, não há dúvidas de que tal divisão precisa ser a mais igualitária possível! A lei já prevê que pais e mães têm os mesmos deveres. Em se tratando de pais divorciados, parece ser melhor que a criança seja uma “mochileira” entre dois lares repletos de amor a ter um pai mero “visitante”.
  2. Pensão compensatória - reconhecimento do trabalho extra: Essa tese defende a ideia de que, se um dos genitores (geralmente a mãe) vier a assumir uma carga desproporcional de cuidado, ele tem direito a uma compensação financeira por esse trabalho extra. Não se trata de um salário, sim de uma forma de compensação pelo esforço que o outro genitor deixar de fazer. Esse valor pode viabilizar que a mãe contrate ajuda ou se presta a compensar o tempo que ela deixou de investir na própria carreira. Busca equilibrar a balança.
  3. Divórcio e a proteção para quem dedicou a vida à família: Para a maior parte dos juízes, no divórcio a pensão para o ex-cônjuge deve ser fixada por tempo determinado (dois anos, por exemplo). Essa regra pode não ser a mais justa e adequada para quem abdicou de uma carreira por anos para cuidar da casa e dos filhos. Nesses casos, a pensão deveria ser vitalícia ou uma compensação única capaz de reconhecer o “apagão profissional," o desequilíbrio econômico causado. Imaginemos uma mulher que deixou seu trabalho para criar quatro filhos e, após 20 anos, viu seu casamento terminar. Será mesmo que dois anos de pensão seriam suficientes para compensar décadas de dedicação?
  4. Cuidado de idosos e pessoas com deficiência: Quem é nomeado curador (aquele que cuida de uma pessoa incapaz) deve receber uma remuneração justa pelo trabalho, especialmente se a pessoa cuidada tiver recursos. É uma forma de evitar a exploração afetiva e financeira (o chamado “vampirismo afetivo”). Se alguém cuida de um familiar por anos sem receber nada, o juiz pode determinar que a herança compense esse trabalho, impedindo que outros herdeiros se enriqueçam injustamente.
  5. Uma vitória histórica da Justiça ao reconhecer que maternidade é trabalho! Vale compartilharmos recentíssima decisão (julgado de 14/08/2025) do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que deu um passo gigante! No julgamento do Habeas Corpus nº 920.980 se decidiu que os cuidados maternos (inclusive a amamentação) prestados pela mãe em situação de prisão devem ser considerados trabalho para fins de redução de pena.

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Por que é essa decisão é tão importante?

Trata-se do primeiro grande reconhecimento jurídico de que cuidar é um trabalho que exige esforço, dedicação e tem um valor social e econômico imenso. A decisão usou a equidade de gênero como base, entendendo que a lei precisa ser interpretada de forma a corrigir desigualdades históricas que afetam as mulheres.

Conclusão

Finalizamos esse artigo com a certeza de que a Economia do Cuidado é a coluna invisível que sustenta nossas famílias, a sociedade e a própria economia na acepção de recursos materiais necessários ao bem-estar. Graças à Economia de Cuidado somos seres produtivos e economicamente ativos.

Torná-la visível e, sobretudo, reconhecer sua importância é o primeiro passo para construirmos um mundo mais justo e igualitário, onde o trabalho de cuidar seja, de fato, valorizado por todos – dentro de casa e perante a lei.

O advogado Douglas Ribas Jr.-divulgação

 

*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.

 

O advogado Carlos Alberto Santana - divulgação

 

*Carlos Alberto Santana é consultor da área cível do escritório Douglas Ribas Advogados Associados. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. É Professor de Direito Processual Civil e de Direito Civil. Especialista em Direito Imobiliário e em Sistema Financeiro da Habitação. Escreve nas áreas de Direito Processual Civil e de Direito de Família. Advogado atuante nas áreas do Direito Público e do Direito Privado.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres

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