O DIU do dia seguinte

O contraceptivo de emergência reconhecido pela OMS, o DIU do dia seguinte é pouco utilizado no Brasil e cercado de tabus

Mariana Viza* Publicado em 24/11/2024, às 06h00

Conversa sobre o DIU do dia seguinte na Casa Irene -

O DIU (Dispositivo Intrauterino) do dia seguinte ainda é um mero desconhecido da maioria das mulheres em idade fértil, que precisam de um método de contracepção de emergência. Diferentemente da pílula do dia seguinte, que desperta curiosidade e procura, com mais 80 mil pesquisas por mês no Google, poucas mulheres sabem que existe outro método eficaz e seguro para evitar a gravidez numa situação de relações sexuais sem proteção, com a vantagem de ser de longa duração. Com a mesma eficácia que a laqueadura de trompas, o DIU tem ainda outro diferencial: é reversível, a mulher pode mudar de ideia a qualquer momento, retirá-lo e engravidar.

No Brasil, 55% das gestações não são planejadas (Cad Saúde Pública 2014, Viellas EF). No mundo, de acordo com a revista The Lancet em 2019, mais de 160 milhões de mulheres e adolescentes não tem acesso a métodos contraceptivos.

Desde 2019, a OMS (Organização Mundial de Saúde) reconhece o DIU como contracepção de emergência. Quando inserido em até cinco dias após uma relação desprotegida, tem eficácia de 99% para evitar uma gestação indesejada. Diferentemente da pílula do dia seguinte, o dispositivo continua atuando nas próximas relações e pode ficar até 12 anos no organismo da mulher, evitando a gravidez, no caso do modelo de cobre, disponibilizado também pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

 

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Mas ainda é minoria o número de Unidades Básicas de Saúde (UBS) que oferecem a inserção de dispositivo em regime ambulatorial e o DIU do dia seguinte está longe de ser uma realidade do cotidiano. Para que isso mude, é importante falar sobre o tema, contestar mitos, divulgar informações adequadas e pressionar as autoridades. Até 2023, para se realizar uma laqueadura ou vasectomia, era exigida uma autorização oficial em documento assinado pelo respectivo cônjuge. Porém, a pressão popular nas redes sociais contribuiu enormemente para o fim dessa exigência.

Acredito que, assim como a pílula do dia seguinte ficou conhecida com o passar do tempo e pela comunicação boca a boca de mulheres e médicos, o DIU do dia seguinte também vai passar pelo mesmo processo e, um dia, se tornará algo comum, disponibilizado com facilidade para as mulheres. Quanto mais pessoas souberem que é possível, mais chances teremos para o aumento da oferta desse método contraceptivo, tanto no setor público quanto no privado.

 

A “desgourmetização” do DIU

Ao concluir a minha especialização em ginecologia, descobri que na cidade em que nasci, no interior de Rondônia, 500 DIUs estavam com a data de validade prestes a expirar na rede pública sem que tivesse algum profissional de saúde capacitado para o procedimento de inserção. Foi pensando em contribuir para mudar essa situação que abracei a causa de ampliar o acesso aos métodos contraceptivos de longa duração. Além de fundar a única clinica de São Paulo exclusiva para contracepção, a Casa Irene, comecei a realizar mutirões tanto públicos quanto privados para a inserção do DIU e a capacitação de profissionais da saúde para realizarem o procedimento de forma simples e segura. 

Ao longo dos últimos anos, tenho percebido que a falta de informações causa grande impacto sobre a escolha das mulheres de todas as faixas sociais na hora de decidir por um método para evitar a gravidez. A principal dúvida quanto ao DIU é a adaptação: elas se preocupam com dor e sangramento irregular e outros efeitos colaterais que podem ser controlados facilmente com tratamento. Poucas mulheres tem clareza sobre ser possível reverter o procedimento caso não se adaptem. Outro mito, muitas vezes disseminado até por médicos, é que o DIU não pode ser usado por quem nunca engravidou. Isso é uma mentira.

Seja na maior cidade do País, São Paulo, ou em lugares longínquos do Brasil profundo em que tenho realizado mutirões, a barreira de acesso a métodos contraceptivos está presente, não importa a classe econômico-social das mulheres. Em maior ou menor grau, elas enfrentam dificuldades para inserir o DIU: algumas porque acreditam que precisam de exames sofisticados e caros e outras porque não encontram profissionais aptos na rede pública.

No processo de mostrar que o procedimento é simples e que deve  ser acolhedor, criei a expressão “desgourmetização do DIU”, com a intenção de desfazer os mitos que impõem tantas barreiras. Mulheres práticas, que trabalham fora todos os dias, e  donas de casa que precisam atender a família todo o tempo, não tem condições de passar por quatro consultas desnecessárias, porém comumente exigidas, para só depois inserir o DIU.

Na Casa Irene costumamos realizar o procedimento no mesmo dia da consulta, porque se exigirmos muitos exames a ideia que estaremos passando é de que o procedimento é complexo – ao contrário da realidade. A inserção do DIU no consultório é uma recomendação da OMS, bastando apenas uma boa consulta e um exame físico ginecológico bem feito. Mas nem sempre essas diretrizes são seguidas, visto que muitas pacientes chegam com relatos traumatizantes de suas consultas ginecológicas anteriores. Para tornar o processo mais empático, a Casa Irene nasceu como um espaço de acolhimento e respeito: quando a nossa parede é colorida, por exemplo, estamos passando uma imagem de leveza para a paciente, que não pode de jeito nenhum se sentir constrangida ao passar pelo atendimento ginecológico. E aquelas que desejam registrar a experiência são estimuladas a escreverem seus relatos nas paredes da clínica.

A barreira financeira é outro grande impedimento. Muitas mulheres não podem usar pílula com estrógeno, por exemplo, porque sofrem com os efeitos colaterais como a enxaqueca – mas elas não encontram uma oferta de DIU acessível ao seu orçamento. Para contornar esse problema, realizamos mutirões na Casa Irene, em que o DIU pode ser inserido com valores promocionais e condições facilitadas de pagamento.

É dessa forma, apontando soluções e contornando problemas, que se pode evoluir nesse campo. Ao criar a expressão “DIU do dia seguinte”, quero dizer que é o mesmo dispositivo, mas que pode ser usado para tirar a mulher de um momento de sufoco e angústia, sem culpa. Elas precisam saber que o DIU é uma opção segura e pode ser inserido até 120 horas após uma relação desprotegida. Muitas usam a pílula do dia seguinte como se fosse método contraceptivo de rotina, mas não é. É um método contraceptivo de emergência que pode ser substituído por um método de longa duração.

A médica Mariana Viza

 

*Mariana Viza é Médica ginecologista, fundadora da Casa Irene, primeira clínica exclusiva de contracepção em São Paulo (@casairene), especialista em mutirão para inserção do DIU e capacitação de profissionais de saúde para o procedimento. Mantém no Youtube um canal de informações sobre contracepção (@canalvaginal_). Tem mais de 57 mil seguidores nas redes sociais.

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