Encaminhamento adequado das gestantes alcoólicas, com orientações, é o caminho mais promissor para prevenir a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF)
Hermann Grinfeld* Publicado em 08/11/2024, às 06h00
O estudo sistemático da dependência feminina tem pouco mais de 50 anos, enquanto que a busca de abordagens que atendem às necessidades das mulheres tem uma história de somente 20 anos. Na verdade, atualmente já não existem dúvidas de que por muito tempo a dependência feminina permaneceu como um fenômeno largamente escondido na maioria dos países. Tão escondido que nos anos 80, quando a busca por tratamentos mais eficazes orientou a investigação científica no sentido de delimitar subgrupos e os movimentos feministas americanos passaram a defender a criação de programas terapêuticos mais adequados e sensíveis às prioridades das mulheres, esbarrou-se na extrema escassez de pesquisas que permitissem caracterizá-las enquanto subgrupo.
A prevalência do alcoolismo entre mulheres ainda é significativamente menor que a encontrada entre os homens. Estudos demonstram que, em relação ao uso e dependência, de cada quatro pessoas do sexo masculino que fazem uso na vida de álcool, uma delas torna-se dependente, sendo que a proporção para o sexo feminino é de 10:1. Ainda assim, o consumo abusivo e/ou a dependência do álcool traz, reconhecidamente, inúmeras repercussões negativas sobre a saúde física, psíquica e social da mulher.
As mulheres dependentes de substâncias psicoativas apresentam características e necessidades de tratamento diferentes das dos homens. Nesse sentido é que se propõe o desenvolvimento de programas específicos para mulheres. É consensual que o princípio fundamental para desenvolver e implementar programas só para mulheres, além de atender a essa população específica, é que seja sensível ao gênero, ou seja, utilize-se de estratégias particularmente responsivas às necessidades únicas das mulheres dependentes.
Portanto, serviços de atendimento que incluam assistência social, jurídica, atendimento familiar, profissionais que trabalhem questões ligadas à autoestima, imagem corporal, grupos de terapia só de mulheres, onde possam ser discutidas questões afetivas e interpessoais e não somente aquelas ligadas diretamente à droga terão uma chance maior de ser bem-sucedidos.
Há muitos e importantes motivos para que uma mulher grávida permaneça com o seu vício de alcoolismo durante a gravidez. Estudos recentes salientam que a causa mais comum de alcoolismo materno é depressão desencadeada pela atitude negativa em relação à gravidez. Acompanha o quadro, com relativa frequência, uma carência afetiva global, um baixo padrão socioeconômico e um estado nutricional comprometido.
Em nosso meio, é importante salientar que, pelo baixo custo de aquisição, o álcool é a droga mais difundida nas classes sociais menos favorecidas. Como objeção ao consumo de álcool, os educadores sanitários e assistentes sociais de muitos países estão enfatizando que 30% das mães alcoolistas falecem com idade média de 37 anos, com cirrose hepática. Nos Estados Unidos, atualmente 7 milhões de crianças por ano, até os 7 anos, têm pais alcoólicos.
As mulheres alcoolistas têm uma morbidade 1,5 a 2 vezes maior do que os homens (considerando restrição de atividades anteriormente realizadas, consultas a médicos, número de hospitalizações por problemas relacionados ao álcool e número de dias restritos ao leito). As complicações físicas decorrentes do consumo de álcool (pancreatite, cirrose e neuropatias, entre outras) também aparecem antes e de forma mais grave nas mulheres.
Pensando na Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), as alterações físicas e mentais decorrentes da síndrome são perfeitamente preveníveis se a grávida se abster do consumo de álcool – este é o principal fator de prevenção da SAF. Sabe-se que os piores danos do álcool ao feto se dão nas primeiras 4 a 6 semanas de vida intrauterina. Estes danos podem ser irreversíveis e permanentes. Então, a prevenção atuando sobre o alcoolismo feminino tem enorme importância na saúde pública.
O encaminhamento adequado da grávida pelos obstetras e pediatras, que darão a orientação conveniente para o seu filho e para si mesma, é o caminho muito promissor na resolução da tragédia que é a SAF. Considerando-se que quase a metade das gestações são indesejadas, uma estimativa de cerca de 2% destas mulheres pode estar expondo seus fetos ao etanol, todo ano.
* Hermann Grinfeld é pediatra e Vice-Presidente do Núcleo de Estudos dos Efeitos do Álcool na Gestante, no Feto e no Recém-nascido (SAF) da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
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