A cada dois minutos, uma mulher é vítima de violência física no país e isso precisa mudar
Fatima Macedo* Publicado em 12/07/2024, às 06h00
No Brasil, o silêncio muitas vezes é mais ensurdecedor do que os gritos de socorro das mulheres que sofrem diariamente por causa de sua condição de gênero. Infelizmente, a violência contra a mulher ainda é uma realidade alarmante. Segundo o 15° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada dia, quatro vidas são ceifadas devido ao feminicídio, enquanto a cada dois minutos uma mulher é brutalmente espancada. Em 71,7% dos casos, o agressor da vítima era o companheiro ou ex-companheiro.
Talvez, para algumas pessoas, falar destes números não traduza o tamanho do problema, mas é entender que estamos diante de uma realidade alarmante, onde mais de 10.600 mulheres perderam suas vidas para o feminicídio desde a promulgação da Lei do Feminicídio em 2015, colocando o país com uma das taxas mais altas no mundo. O Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram assassinadas somente no ano passado - ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas.
O feminicídio é a forma de violência mais grave contra a mulher. Porém, ele é o trágico desfecho de uma série de violências às quais esta mulher estava submetida. Tais como agressões, violência sexual, psicológica, ameaças e outras situações
Um fato lamentável é que a violência e o assédio são realidades presentes na vida de muitas mulheres brasileiras, com milhares de casos de estupro e espancamento registrados anualmente, além de relatos diários de agressão. As mulheres enfrentam diversos tipos de violência, que podem ser física, moral, psicológica, sexual, patrimonial, além de serem frequentemente desacreditadas ao denunciar o agressor por familiares, amigos e até mesmo pela própria família e autoridade.
Mulheres vítimas de violência doméstica sabem o quanto isso tem um impacto devastador no trabalho; especificamente na capacidade laboral e na produtividade das mulheres, afetando sua autonomia, capacidade decisória, níveis de estresse, entre outros aspectos. Não são poucas as que deixam seus empregos ou são demitidas sem que ninguém saiba pelo que está passando!
Uma pesquisa feita pela UFC (Universidade Federal do Ceará) em convênio com o Instituto Maria da Penha revela que a violência física perpetrada por parceiros resulta em absenteísmo, com as mulheres perdendo em média 18 dias de trabalho por ano. Sintomas decorrentes da violência doméstica, muitas vezes não reconhecidos como tal, também têm impacto negativo no desempenho, como evidenciado na capacidade de tomada de decisões, onde apenas 58% das vítimas conseguem fazê-lo, em comparação com 74% das mulheres não vítimas de violência. Além disso, a violência doméstica afeta adversamente a saúde mental das mulheres, comprometendo funções cognitivas e aumentando os casos de depressão, ansiedade e até suicídio.
Destaco aqui um dado muito relevante! A pesquisa fez o cálculo do valor médio da diária de trabalho das mulheres com a quantidade de dias ausentes com dados de 2016, e concluiu que o custo em dinheiro da violência doméstica é de aproximadamente R$ 975 milhões (14.931.836 dias perdidos x R$ 65,28).
Um levantamento da Mental Clean revelou um aumento alarmante de 367% nos índices de tentativa e ideação suicidas em 2023, comparado ao ano anterior, entre 300 empresas analisadas. A média de idade das pessoas atendidas foi de 31 anos, com 66% sendo mulheres. Além disso, houve um aumento nos mapeamentos de saúde mental, com 7% a 10% dos respondentes relatando ter tido ideias suicidas. Esses dados destacam a necessidade urgente de intervenção, especialmente para apoiar as mulheres.
Diante desse cenário sombrio, o engajamento das empresas em iniciativas de combate à violência contra a mulher torna-se essencial. Muitas mulheres vítimas de violência não denunciam por medo ou falta de conhecimento, portanto, é fundamental implementar treinamento de liderança e equipe para identificá-las, além de fortalecer a rede de apoio para acolhê-las e incentivá-las. Esse compromisso promove a igualdade de gênero, assegura o respeito aos direitos humanos e protege nossas mulheres.
Por isso, destaco a importância de iniciativas como as desenvolvidas pelo NEV, nosso Núcleo de Enfrentamento à Violência, ressaltando que investir na saúde mental no ambiente de trabalho e ações que promovam o cuidado com colaboradoras em situação de violência melhora a qualidade das relações entre colaboradores, previne potenciais feminicídios e casos de agressão, além de aumentar a produtividade e reduzir o absenteísmo. Tais medidas também contribuem para criar uma cultura de retenção, valorização de talentos e reconstrução de carreiras para mulheres que enfrentaram esse tipo de situação. Investir em programas de apoio e proteção a colaboradoras em situação de violência promove um ambiente de trabalho mais saudável e traz benefícios econômicos significativos para as empresas.
Vale lembrar que, em uma situação de emergência, é possível buscar ajuda em qualquer delegacia de polícia ou ligar para o 190 da Polícia Militar. Já em caso de suspeita ou violação dos direitos da mulher, a vítima ou qualquer pessoa pode pedir ajuda na Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180 ou pelo WhatsApp (61) 9610-0180. Caso sua empresa tenha um programa de combate à violência, é possível procurar ajuda por meio do canal de denúncia.
Concluo convocando todos à causa, pois é imperativo que as empresas, funcionários e a sociedade em geral se engajem ativamente na batalha contra o feminicídio e a violência contra a mulher. Não apenas como um dever de responsabilidade social, mas como um compromisso sincero com a construção de um futuro onde todas as mulheres possam viver sem o temor da violência. Essa causa é uma responsabilidade que transcende indivíduos isolados; é um dever compartilhado por toda a sociedade. Denuncie, apoie as vítimas e exija medidas concretas para forjar um amanhã livre de todos os tipos de violência.
*Fatima Macedo é CEO da Mental Clean e diretora geral, psicóloga especializada em Psicologia da Saúde Ocupacional e Terapia Cognitivo-Comportamental. Ela possui MBA em Gestão em Promoção de Saúde e Qualidade de Vida nas Organizações pela Universidade São Camilo e Associação Brasileira de Qualidade de Vida, MBA em Gestão Empresarial pela Faculdade Getúlio Vargas, e Certificação Internacional em Coaching de Bem-Estar.
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