21 Dias de Ativismo no combate à violência contra a mulher: Instituto Maria da Penha promove encontro de Maria da Penha e Ministra Cármen Lúcia
Ivy Farias* Publicado em 10/12/2022, às 06h00
A Lei Maria da Penha está em vigor há 16 anos. Mesmo sendo considerada uma das melhores legislações do mundo em defesa das mulheres, ainda há entraves para que ela seja aplicada totalmente e em todos os municípios brasileiros: além da falta de verbas e de políticas públicas, ainda falta educação e consciência social sobre os reais impactos da violência contra a mulher e existe no país a manutenção de uma cultura machista.
Estes temas e outros foram debatidos nesta última sexta-feira em live promovida pelo Instituto Maria da Penha e Palmitê. Com coordenação de Carlinhos Vilaronga, a live reuniu Maria da Penha, presidente do Instituto, a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, Regina Célia A. Barbosa, vice-presidente do Instituto e Anabel Pessôa, co-fundadora do IMP, que é advogada.
Mediadora da live, a jornalista Mariana Kotscho destacou que os recursos para o combate à violência doméstica contra a mulher foram drasticamente reduzidos nos últimos quatro anos no governo federal, com cortes de até 90%. Para a ministra Carmen Lúcia, além da falta de verba, falta verbo positivo, vontade. O que houve nos últimos anos foi "excesso de verbo negativo".
“Além da verba, eu começaria pelo verbo: além da ausência de verba, houve excesso de verbo. O que foi verbalizado contra as mulheres, afirmações sobre vitimizações excessivas foi uma ‘autorização’ para aqueles que têm preconceito pudessem exteriorizá-las. Foi um desserviço para a humanidade” (Ministra Cármen Lúcia)
Para a jurista, é essencial que exista a “construção de uma sociedade solidária com a consciência de que a violência nos torna infelizes”. “Essas falas de legitimização da violência são prejudiciais”, explica. E, com uma nova educação e conscientização, o próprio Poder Judiciário pode dar as respostas que a sociedade demanda quando o tema é a violência contra a mulher. “Se você vai em um júri em que uma mulher foi assassinada, a família dela não vai lhe dizer que busca que ela retorne. Pelo contrário: a resposta sempre é ‘eu espero justiça’”, lembra Cármen Lúcia.
Maria da Penha contou durante o encontro um caso que a chocou: um agressor respondeu o processo legal de violência doméstica e foi solto. Assim que conquistou a liberdade, matou a ex-companheira. O juiz que assinou a sentença, apenas lamentou “que não poderia advinhar que ele sairia e cometeria feminicídio”. “Como ele não fazia ideia de que isso era possível? É fundamental que façamos uma capacitação de todos e todas que operam a Lei Maria da Penha”, ressalta a presidente do Instituto.
Segundo Cármen Lúcia, a Escola Nacional da Magistratura tem aulas sobre a Lei Maria da Penha garantindo uma formação específica para juízes e juízas que ingressam na carreira. “A educação também é necessária para quem vai julgar. Mas não só isso: as poucas varas especializadas têm muitas consequências psicológicas para as pessoas que ali trabalham. É preciso acolhê-las e dar subsídios como promoção de saúde mental”, afirma a ministra, que também conta que conhece diversos exemplos em todo o país em que as pessoas que trabalham nestes ambientes desenvolveram, de forma voluntária, brinquedotecas para as crianças filhas das vítimas e proporcionam outros cuidados para que o processo não se torne uma revitimização.
Em 2019 a jornalista Mariana Kotscho denunciou em reportagem no UOL um juiz da Vara de Família que disse em audiência para uma mulher que era vítima de violência doméstica que "se tem Lei Maria da Penha eu não estou nem aí" e afirmou tirar guarda dos filhos de mulher que "coloca o homem na Maria da Penha".
As participantes lembraram de casos em que juízes de Vara de Violência Doméstica correram riscos, como quando a Juiza Tatiane Moreira Lima de SP ficou refém de um réu que ameaçou tacar fogo nela. Neste momento, a Ministra Cármen Lúcia destacou a importância de uma aproximação entre o judiciário e a sociedade, ressaltando que o próprio judiciário não pode causar a revitimização das mulheres em audiências e outras condutas.
Anabel Pessôa, co-fundadora do IMP, advogada, destacou a "consciência dos tribunais": “Sinto falta enquanto advogada sobre a aplicação da lei no Judiciário. Poucos são os que têm um trabalho relacionado ao homem”, explica. Segundo ela, que é do Recife, no Tribunal de Justiça de Pernambuco há uma iniciativa exitosa da consciência dos homens agressores. “Também temos que tirá-los do ciclo da violência”.
Regina Célia A. Barbosa, vice-presidente do Instituto Maria da Penha, afirmou ainda que a missão da entidade é a promoção da educação. “Temos crianças a partir dos cinco anos de idade que declamam cordéis- em especial da Lei Maria da Penha- que são as nossas defensoras mirins. O enfrentamento começa desde cedo”. E prometeu à Ministra Cármen Lúcia um cordel em homenagem à ela por sua luta pela igualdade de gênero.
Ao final da live, a Ministra Cármen Lúcia se colocou à disposição para fazer uma ponte entre o Instituto Maria da Penha e o judiciário para abrir o diálogo sobre as melhores formas de tratar de vítimas de violência doméstica em todos os âmbitos da justiça. Lembrando que a Lei Maria da Penha é híbrida, portanto deve ser levada em consideração em todas as instâncias, inclusive em audiências da Vara da Família.
Os 21 dias de ativismo no Brasil terminam hoje, que é Dia Mundial dos Direitos Humanos.
*Ivy Farias é jornalista, advogada e escritora
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